Uma Questão Essencial:
Como Funciona a Lei da Reencarnação
Carta ao Leitor:
Esta edição especial de “O Teosofista” ― preparada com base em material do e-grupo Ser Atento ― aborda um tema ainda pouco esclarecido nos meios esotéricos de Brasil e Portugal. Vamos descrever em detalhes o processo prático da reencarnação, isto é, os vários estados e estágios pelos quais uma individualidade humana passa desde o final de uma vida física até o começo da próxima. Iremos investigar o que é que reencarna, e qual é o intervalo médio de tempo entre duas vidas da mesma alma imortal, segundo a filosofia esotérica de H. P. lavatsky.
A filosofia esotérica autêntica é amplamente desconhecida no Brasil. O boletim “O Teosofista”, o e-grupo Ser Atento e o website http://www.filosofiaesoterica.com/ estão cumprindo um papel pioneiro no seu estudo e divulgação. Para muitos, por exemplo, pode ser surpresa o fato de que, ao contrário do que se pensa em certos círculos, o intervalo médio entre duas vidas varia de mil a quatro mil anos.
No entanto, cabe examinar de início qual é a importância prática de compreender a lei da reencarnação. O segredo da resposta está na expansão de consciência. Ao estudar o tema, aprendemos a pensar além da vida atual e passamos a aceitar mais profundamente o fato de que somos mortais, enquanto eus inferiores e concretos. Isso pode ser inquietante, no início, porque inconscientemente gostamos de supor que somos eternos. Mas, depois da inquietação inicial, há por parte do estudante uma grande expansão do sentimento de confiança na VIDA. O motivo da nova confiança é a compreensão de que o centro essencial do seu ser viverá ininterruptamente por dezenas de milênios, até alcançar a libertação e o nirvana. A compreensão do processo da morte e da reencarnação elimina a causa do medo diante da vida, ou diante da morte.
A seguir, um enfoque da reencarnação com base nos ensinamentos autênticos das “Cartas dos Mahatmas” [1].
Boa leitura, Os Editores.
NOTA:
[1] “Cartas dos Mahatmas Para A.P. Sinnett”, Editora Teosófica, Brasília, 2001, dois volumes.
1. Um Ensinamento Antigo no Ocidente
O conceito de reencarnação está presente na cultura ocidental desde o seu berço. Seiscentos anos antes da era cristã, a reencarnação ou metempsicose era ensinada por Pitágoras. O Cristianismo dos primeiros tempos conhecia e ensinava a reencarnação sob o nome de “ressurreição”.
Foi durante o processo de montagem política do cristianismo como religião imperial e dominante que as passagens sobre reencarnação foram radicalmente distorcidas ou eliminadas do Novo Testamento.
O conceito atual e convencional de ressurreição é destituído de sentido e contraria as leis da natureza. Ele supõe que em algum momento futuro os mortos sairão fisicamente vivos das suas sepulturas, usando os mesmos corpos que morreram e apodreceram longo tempo atrás. Além de absurda, tal idéia é de um evidente mau-gosto. O conceito original de ressurreição, por outro lado, corresponde à idéia de reencarnação, não entra em choque com as leis da natureza e faz todo o sentido do ponto de vista da visão evolutiva das coisas. Dele restam alguns indícios nas escrituras cristãs.
No capítulo 15 da primeira epístola de Paulo aos Coríntios, Jesus é descrito como o ser que abre espaço para a ressurreição de todos. Segundo a leitura esotérica dos evangelhos, “Jesus” é na verdade um símbolo do sexto princípio, Buddhi, a sede da alma espiritual. É, realmente, através e a partir deste princípio divino na consciência humana que se dá a reencarnação ou ressurreição. Em 1 Co 15: 44, vemos:
“Semeia-se o corpo natural, ressuscita o corpo espiritual. Se há corpo natural, há também corpo espiritual.”
A frase significa que, conforme o corpo natural é semeado, o corpo espiritual “ressuscita” ou reencarna.
Em 1 Coríntios 15: 36-42, por exemplo, vemos:
“O que você semeia não readquire vida a não ser que morra. E o que você semeia não é o corpo da futura planta que deve nascer, mas um simples grão, de trigo ou de qualquer outra espécie. (...) Há corpos celestes e há corpos terrestres. São, porém, diferentes o brilho dos celestes e o brilho dos terrestres. Um é o brilho do sol, outro o brilho da lua, e outro o brilho das estrelas. E até de estrela para estrela há diferença de brilho. O mesmo se dá com a ressurreição dos mortos.”
No primeiro livro de Samuel, vemos outra passagem que, apesar do “pente fino” que eliminou a idéia da reencarnação do velho testamento, ainda sugere este conceito:
“O Senhor é o que tira a vida e a dá; faz descer à sepultura e faz subir.”
Também em Eclesiastes, apesar da censura dos teólogos, a reencarnação permanece implicitamente presente. Ali, no capítulo um, versículo nove, vemos:
“O que foi é o que há de ser; e o que se fez, isso se tornará a fazer; nada há, pois, novo debaixo do sol”.
De fato, seria absurdo imaginar que cada vez que um feto é concebido uma nova alma imortal é “fabricada”, e que esta alma só terá uma única chance de viver, no máximo cerca de cem anos, e jamais mais terá a possibilidade de retomar e completar prosseguir sua evolução natural em direção à libertação. As leis da natureza apontam na direção oposta. Como diz a lei de Lavoisier, “na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”; e as almas humanas não são uma exceção à regra.
2. Morte do Corpo é Apenas Uma Passagem
O estudo da reencarnação, segundo a literatura teosófica clássica, permite obter uma “visão de 360 graus” do processo de vida, morte e renascimento.
Um dos momentos decisivos ocorre com a passagem definitiva da consciência individual do mundo denso da matéria para o mundo sutil do astral. Este é o momento da morte física, que, na verdade, constitui mais um nascimento. A filosofia teosófica ensina que o ser humano não morre, se pelo verbo “morrer” entendemos uma cessação da vida. Ao contrário, o ser humano passa por três tipos de nascimento, rompendo três “placentas” em um ciclo que se renova sempre em espiral, até a sua auto-libertação final da roda do carma.
Vejamos quais são estes três nascimentos:
1) Ao romper a placenta que durante alguns meses lhe permitiu viver dentro do corpo da sua mãe, a alma imortal nasce para a vida física e adquire um novo corpo. Durante os sete primeiros anos de vida, aprenderá gradualmente a associar-se ao novo corpo e a dirigi-lo no “novo mundo”. 2) Setenta, noventa ou cem anos mais tarde, chega-se ao outro extremo da vida. Ao libertar-se do velho e gasto corpo físico (agora transformado em uma segunda placenta) a mesma alma humana nasce para o mundo mais sutil da vida astral.
3) Finalmente, ao romper a sua casca astral, algum tempo depois da morte física, a alma imortal passa a preparar-se para nascer no Devachan, o “local dos deuses”. Ali viverá um descanso abençoado até o momento de preparar-se para um novo nascimento no plano físico. Isso ocorrerá quando a individualidade “despertar” do Devachan, em média entre mil e quatro mil anos depois da morte física.
Fica claro, pelo estudo da reencarnação tal como ensinada pelos mestres dos Himalaias, que existe uma relação direta entre rumo da vida física e o rumo da vida no pós-morte. E uma das lições práticas desse estudo é que, já que a vida pós-morte é imensamente mais longa do que a vida física, vale a pena fazer um esforço concentrado para alcançar a paz interior e a sabedoria. Assim é estabelecida uma tendência firme na direção correta, que se desdobrará durante os milhares de anos seguintes. Para estar à altura deste desafio e desta oportunidade, o aprendiz deve ouvir o seu próprio coração e agir de acordo com a voz da sua consciência. Mas também é recomendável estudar e refletir sobre o funcionamento das leis ocultas do universo, inclusive a lei do carma e da reencarnação. O processo da reencarnação está ligado à lei mais ampla da manifestação periódica de toda vida. Esta lei se aplica tanto a seres humanos como a animais, a vegetais, a planetas e ao próprio universo. Sua abordagem se faz através da chamada Doutrina dos Ciclos.
Talvez o instante mais decisivo de todo o processo humano seja o minuto final e o ponto culminante da vida física. Veremos a seguir um trecho de uma carta de um Mahatma que traça uma fotografia do momento em que a alma termina sua experiência terrestre e faz uma recapitulação detalhada do que viveu, antes de iniciar o longo e complexo processo que ocorre entre duas vidas físicas.
O Mestre descreve o encadeamento natural de causas e efeitos que determinará não só as condições do pós-morte, mas também as condições, objetivas e subjetivas, do próximo nascimento.
Pode-se perceber facilmente a força destas palavras finais do trecho:
“Que falem em sussurros vocês que assistem a um leito de morte e se encontram na presença solene da Morte. Devem permanecer quietos especialmente logo após a Morte colocar sua mão fria e úmida sobre o corpo. Falem em sussurros, digo, para que não perturbem a calma vibração do pensamento, prejudicando o trabalho ativo do Passado que lança seu reflexo sobre o Véu do Futuro.”
O trecho reúne duas perguntas e duas respostas da Carta 93B em “Cartas dos Mahatmas Para A. P. Sinnett” (volume II, pp. 139-140):
[ O Que Acontece no Momento da Morte ]
Pergunta 16:
[Você diz: – “Lembre-se de que nós criamos nós próprios o nosso Devachan [ .... ] e principalmente durante os últimos dias e mesmo nos últimos momentos das nossas vidas sensíveis.”]
Resposta 16:
(16) Segundo uma crença amplamente difundida entre todos os hindus, o futuro estado pré-natal e o nascimento de uma pessoa são moldados pelo último desejo que ela pode ter no momento da morte. Mas este último desejo, dizem eles, depende necessariamente da forma que a pessoa tenha dado a seus desejos, paixões, etc., durante a sua vida passada. É por essa mesma razão, isto é, para que nosso último desejo não seja desfavorável ao nosso progresso futuro – que devemos observar nossas ações e controlar nossas paixões e desejos ao longo de toda nossa trajetória terrena.
Pergunta 17:
[Mas será que os pensamentos em que a mente pode estar envolvida no último momento dependem necessariamente do caráter predominante da vida passada? Caso contrário pareceria que o caráter do Devachan [ ....] da pessoa poderia ser determinado caprichosa e injustamente pelo acaso que trouxe para uma posição dominante, no final, algum pensamento específico?]
Resposta 17:
Não pode ser de outro modo. A experiência de homens que estavam morrendo – por afogamento ou outros acidentes – e são trazidos de volta à vida tem corroborado nossa doutrina em quase todos os casos. Tais pensamentos são involuntários e não temos mais controle sobre eles do que teríamos sobre a retina do olho para impedir que ela percebesse aquela cor que mais a afeta. No último momento, toda a vida é refletida em nossa memória e emerge em todos os ângulos e detalhes, imagem após imagem, um acontecimento depois do outro. O cérebro moribundo expele a memória com um forte impulso supremo, e a memória devolve fielmente cada impressão confiada a ela durante o período da atividade cerebral. A impressão – e o pensamento – que foi mais forte naturalmente se torna a mais vívida e sobrevive, digamos, a todo o resto que agora se desvanece e desaparece para sempre, para reaparecer apenas no Devachan. Nenhum homem morre insano ou inconsciente – ao contrário do que dizem alguns fisiólogos. Mesmo um louco, ou alguém que esteja sob um ataque de delirium tremens terá seu instante de perfeita lucidez no momento da morte, embora seja incapaz de dizer isso aos presentes. O homem pode freqüentemente parecer morto. No entanto desde a última pulsação, entre a última batida do seu coração e o momento em que a última fagulha de calor animal deixa o corpo – o cérebro pensa e o Ego revive de novo naqueles poucos e breves segundos toda a sua vida. Que falem em sussurros vocês que assistem a um leito de morte e se encontram na presença solene da Morte. Devem permanecer quietos especialmente logo após a Morte colocar sua mão fria e úmida sobre o corpo. Falem em sussurros, digo, para que não perturbem a calma vibração do pensamento, prejudicando o trabalho ativo do Passado que lança seu reflexo sobre o Véu do Futuro.
Estas são as perguntas e respostas 16 e 17 da Carta 93B, de “Cartas dos Mahatmas”, sobre o momento do abandono final do corpo físico.
3. A Luta Que Ocorre Após a Morte
Uma vez completada a morte do instrumento físico, pode-se dizer que está determinado o rumo de todo o processo até o próximo nascimento. Mas isso não significa que não deva haver luta entre as diferentes partes e inclinações do material vivencial que deve ser processado. Está feito o roteiro; agora, o caminho deve ser percorrido de fato.
Neste ponto, é necessário explicar algumas expressões usadas pelo Mahatma ao abordar o tema.
Para a filosofia esotérica, o ser humano tem sete princípios ou níveis de consciência. O primeiro é o corpo físico, sthula-sharira. O segundo princípio é a vitalidade, prana. O terceiro é linga-sharira, formado pelos arquétipos sutis da vitalidade, o que inclui o patrimônio genético e outros registros cármicos.
O quarto princípio, Kama, é o das emoções pessoais e sentimentos de ordem animal (medo, raiva, apego, rejeição, etc.). O quinto princípio, Manas, é a mente. O sexto, Buddhi, é o princípio da inteligência espiritual, da compaixão universal e da intuição superior. O sétimo, Atma, é o princípio supremo, o mais universal, do qual pouco se pode falar com palavras.
A “tríade inferior”, de que fala o mestre, corresponde aos princípios um, dois, e três, que cessam de funcionar no momento da morte: são o físico, o vital, e a “estrutura sutil da vitalidade”. Sobram então, na etapa inicial do pós-morte, quatro princípios de consciência, que o mestre chama de “quaternário sobrevivente”.
Destes quatro princípios, dois ainda são inferiores (Kama e Manas), e dois são espirituais (Buddhi e Atma). São duas duplas, portanto, e elas entram em uma “luta mortal” para ver quem predomina.
Quando ocorre a vitória da dupla espiritual, o que pode demorar desde algumas semanas até vários anos, a parte mais nobre de Manas, a mente, se associa a Buddhi (sexto princípio) e a Atma (sétimo princípio). É este material que irá dar lugar, mais adiante, ao “habitante do Devachan”, isto é, ao eu espiritual que viverá nas esferas abençoadas de um a quatro milênios do tempo cronológico terrestre, mas sem que tenha qualquer noção de tempo. O habitante do Devachan é o verdadeiro eu do indivíduo, e terá esta existência de bem-aventurança como recompensa cármica pelos aspectos espirituais da sua vida terrestre. Esta recompensa, na verdade, não é só um prêmio: é também a preparação para um futuro renascimento completamente renovado.
Separados dos princípios superiores, os restos inferiores e dejetos da mente se associarão ao quarto princípio (instintos e sentimentos pessoais), e ficarão algum tempo como uma “Casca” semi-viva no astral até se decomporem. É esta Casca que pode ser atraída para sessões mediúnicas e espíritas, e então é confundida com o indivíduo que um dia viveu. Mas, na verdade, a Alma da pessoa já está em níveis superiores e ali só há um precário cadáver astral. O Mestre usa ironicamente a expressão “guia angelical” — porque o espetáculo é lamentável. Revitalizar esta Casca é um erro grave, e cria problemas muito sérios para a próxima encarnação do eu superior. Mas isso não é tudo. Os médiuns também ficam gravemente prejudicados e alterados nos seus princípios sutis. Há uma violência impressionante no fato de o corpo de alguém ser ocupado pelos princípios inferiores de outro ser. Especialmente quando estes “princípios inferiores” são apenas pedaços de um cadáver astral.
Vejamos, então, a segunda metade da resposta 5, na Carta 68 de “Cartas dos Mahatmas”.
[ O Processo do Plano Astral ]
Todos os egos, exceto aquele que, atraído pelo seu magnetismo grosseiro, cai na corrente que o arrastará para o “planeta da Morte”, o satélite tanto mental quanto físico da nossa terra – estão capacitados para passar a uma condição relativamente “espiritual”, de acordo com a sua condição prévia na vida e seu modo de pensamento. Pelo que sei e recordo, H.P.B. explicou ao sr. Hume que o sexto princípio humano não poderia existir nem ter existência consciente no Devachan como algo puramente espiritual, a menos que assimilasse alguns dos atributos mentais mais abstratos e puros do quinto princípio ou alma animal, seu manas (mente) e sua memória. Quando o homem morre os seus segundo e terceiro princípios morrem com ele; a tríade inferior desaparece, e o quarto, o quinto, o sexto e o sétimo princípios formam o quaternário sobrevivente. (...) A partir de então há uma luta “mortal” entre as dualidades Superior e Inferior. Se vencer a superior, o sexto, tendo atraído para si a quinta-essência do Bem do quinto – as suas afeições mais nobres, as suas aspirações puras (embora terrestres), e as porções mais espiritualizadas da sua mente – segue o seu divino irmão mais velho (o 7º) até o estado de “gestação”; e o quinto e o quarto permanecem associados como uma casca vazia (a expressão é perfeitamente correta) que vagueia pela atmosfera terrestre tendo perdido metade da memória pessoal, e com os instintos mais animais completamente despertos durante um certo período de tempo – em resumo, um “Elementário”. Este é o guia angelical do médium comum. Se, por outro lado, for a Dualidade Superior a derrotada, é o quinto princípio que assimila tudo o que possa restar no sexto de lembrança pessoal e percepções da sua individualidade pessoal. Mas com todo este material adicional, ele não permanecerá em Kama-loka – “o mundo do Desejo” ou a atmosfera da nossa terra. Em muito pouco tempo, como uma palha flutuando dentro do campo de atração dos vórtices e buracos do Maelstrom [1] , ele é capturado e arrastado para o grande remoinho dos Egos humanos; enquanto o sexto e o sétimo – agora são uma MÔNADA individual puramente espiritual – que, nada tendo restado em si da última personalidade, e não tendo de passar por nenhum período regular de “gestação” (já que não há um Ego pessoal purificado para renascer) depois de um período mais ou menos prolongado de Descanso inconsciente no Espaço ilimitado se verá renascida em outra personalidade (...) . Quando chega o período da “Consciência Individual Completa” – que precede o período da Consciência Absoluta no Pari-Nirvana – esta vida pessoal perdida se torna algo como uma página arrancada no grande Livro das Vidas, sem que nem mesmo uma palavra desconexa tenha sido deixada para assinalar a sua ausência. A mônada purificada nem perceberá nem lembrará dela na série de vidas passadas – o que faria, se tivesse ido para o “Mundo das Formas” (rupa-loka) – e seu olhar retrospectivo não perceberá nem o mais leve sinal de que ela aconteceu. A luz de Samma-Sambuddh –
“...aquela luz que brilha além do nosso campo de visão mortal
A luz de todas as vidas em todos os mundos” –
não lança raio algum sobre aquela vida pessoal na série de vidas passadas.
A favor da humanidade, tenho a dizer que esta total obliteração de uma existência dos registros do Ser Universal não ocorre com freqüência suficiente para somar uma grande porcentagem. Na verdade, assim como o muito mencionado “deficiente mental congênito”, uma coisa como essa é um lusus naturae – uma exceção, não uma regra.
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Até aqui, as palavras do Mestre. A esta explicação, cabe acrescentar:
1) Um “Elementário” é uma casca ou cadáver astral em que predominam impulsos inferiores, negativos e nocivos.
2) O Devachan é um descanso no sentido de 'felicidade divina'. É um sonho, mas, como sabemos, os sonhos podem ser mais reais que a vida em vigília. A vida em vigília, por sua vez, talvez não passe de um sonho. De modo que não se deve desprezar o Devachan apenas porque ele é qualificado como um estado “subjetivo” de consciência. Ele é seguramente mais intenso (ver a parte 4 desta edição especial) e talvez mais “verdadeiro” do que a vigília.
NOTA:
[1] Maelstrom – um remoinho famoso, que ocorre na costa da Noruega.
4. Devachan: um Estado de Pura Felicidade
Nas duas primeiras perguntas da carta 68, em “Cartas dos Mestres”, o jornalista e discípulo leigo Alfred Sinnett pergunta se a consciência individual que “renasce” no Devachan é capaz de lembrar da sua vida na terra. Ele também quer saber que relação existe entre o “Devachan” ― o ponto culminante da trajetória entre duas vidas físicas segundo a filosofia oriental ― e a velha idéia do “paraíso” ou “céu” cristão.
A resposta é de um dos Mahatmas que inspiram os setores autênticos do movimento teosófico:
“Certamente, o novo Ego, depois de renascer, retém durante certo tempo – proporcional à sua vida terrestre, uma “completa lembrança da sua vida na terra.” (...) Mas ele nunca pode retornar à terra, do Devachan, e este último tampouco tem – mesmo omitindo todas as “idéias antropomórficas de Deus” – qualquer semelhança com o paraíso ou céu de qualquer religião, e foi a imaginação literária de H.P.B. que sugeriu a ela a maravilhosa comparação.”
Este Ego “nunca pode retornar à Terra”, conforme afirma o Mestre, porque ele ainda é o “eu espiritual” da vida anterior. Quem retornará à Terra será apenas a Mônada, ou Atma-Buddhi. Ela emergirá da etapa final e sem formas do Devachan (“Arupa-Devachan”), para provocar o seu próprio renascimento, sem recordações, em um novo corpo.
A seguir, na terceira pergunta da Carta 68, Alfred Sinnett deseja saber “quem vai para o Céu, ou Devachan”. E Sinnett explica a pergunta: “Esta condição só é atingida pelos poucos que são muito bons, ou pelos muitos que não são muito ruins – depois do lapso, no caso destes, de uma incubação ou gestação inconsciente mais longa?”
No segundo parágrafo da resposta, o mestre menciona que há um certo “egoísmo” no Devachan. Isso deve ser explicado. O Devachan é um estado 'egoísta' apenas em um sentido técnico da filosofia budista, já que, nele, o indivíduo não tem um sentimento consciente de auto-sacrifício por todos os seres. Porém o habitante do Devachan não possui nada de “egoísmo” no sentido comum do termo, que implica prejudicar alguém. Ele está em uma esfera autenticamente espiritual e de bem-aventurança. Está unido à lei universal, e neste sentido é “altruísta”, porque é “puro e inocente”.
O mestre responde:
“ ‘Quem vai para o Devachan?’ O Ego pessoal, é claro, mas beatificado, purificado, sagrado. Cada Ego – a combinação do sexto e do sétimo princípios – que, depois do período de gestação inconsciente, renasce no Devachan, é necessariamente tão puro e inocente quanto um bebê recém-nascido. O mero fato de haver renascido mostra a preponderância do bem sobre o mal em sua personalidade anterior. E, enquanto o (mau) carma fica de lado por algum tempo para segui-lo em sua futura encarnação terrestre, ele traz consigo para este Devachan o carma das suas boas ações, palavras e pensamentos. “Mau” é um termo relativo para nós – como já lhe foi dito mais de uma vez – e a Lei de Retribuição é a única lei que nunca falha. Portanto, todos aqueles que não caíram no lodo do pecado e da bestialidade irrecuperáveis – vão para o Devachan. Eles terão de pagar por seus pecados, voluntários e involuntários, mais tarde. Enquanto isso, eles são recompensados; recebem os efeitos das causas produzidas por eles.”
“Naturalmente se trata de um estado; um estado, digamos assim, de intenso egoísmo, durante o qual o Ego colhe a recompensa do seu altruísmo na terra. Ele está completamente envolvido na bênção de todas as suas afeições, preferências e pensamentos pessoais terrestres, e colhe o fruto das suas ações meritórias. Nenhuma dor, nenhuma aflição, e nem mesmo a sombra de uma tristeza surge para escurecer o horizonte iluminado da sua pura felicidade; porque é um estado de perpétua “Maya”. ... Já que a percepção consciente da personalidade do indivíduo na terra é apenas um sonho passageiro, esta percepção também será a de um sonho no Devachan – só que cem vezes mais intensa. Isso é tão verdade, de fato, que o Ego feliz é incapaz de ver através do véu as maldades, aflições e angústias a que os que ele amou na terra podem estar sujeitos. Ele vive naquele doce sonho com os que ama – quer tenham ido antes ou ainda permaneçam na terra; ele os têm perto de si, tão felizes, tão abençoados e tão inocentes como o próprio sonhador desencarnado; e no entanto, exceto raras visões, os habitantes do nosso planeta denso não o sentem. É aí, durante esta condição de completa Maya que as almas ou Egos astrais dos sensitivos puros e amorosos, operando sob a mesma ilusão, pensam que suas pessoas queridas descem até eles na terra, quando são os seus próprios Espíritos que se elevam até os outros no Devachan. Muitas das comunicações espirituais subjetivas – a maior parte delas quando os sensitivos têm mente pura – são reais; mas é extremamente difícil para o médium não-iniciado fixar em sua mente as imagens verdadeiras e corretas do que ele vê e ouve. Alguns dos fenômenos chamados de psicografia (embora mais raramente) são também reais. O espírito do sensitivo fica odilizado, digamos assim, pela aura do Espírito que está no Devachan, e se transforma durante alguns minutos naquela personalidade desencarnada, escrevendo com a letra desta última, com sua linguagem e seus pensamentos, como eles eram durante sua vida. Os dois espíritos ficam misturados como se fossem um; e a preponderância de um sobre o outro durante tais fenômenos determina a preponderância da personalidade nas características demonstradas em tais escritos e nas “falas em transe”. O que você chama de “rapport” é na verdade uma identidade de vibrações moleculares entre a parte astral do médium encarnado e a parte astral da personalidade desencarnada. Acabo de ver um artigo sobre o olfato escrito por um professor inglês (que farei com que seja comentado no Theosophist e sobre o qual direi algumas palavras) e descobri nele algo que se aplica ao nosso caso. Assim como, na música, dois sons diferentes podem formar parte de um acorde e ser distinguíveis separadamente, sendo que esta harmonia ou dissonância depende das vibrações sincrônicas e períodos complementares, do mesmo modo há um rapport entre o médium e a “entidade” quando as suas moléculas astrais se movimentam harmonizadamente. E a questão sobre se a comunicação refletirá mais a idiossincrasia pessoal de um ou de outro é determinada pela intensidade relativa dos dois conjuntos de vibrações na onda composta no Akasha. Quanto menos idênticos os impulsos vibratórios, mais mediúnica e menos espiritual será a mensagem. Deste modo, então, avalie o estado moral do seu médium pelo estado moral da Inteligência que supostamente o controla, e os seus testes de autenticidade não deixarão nada a desejar.”
5. Quem Tem Direito ao Devachan?
Na questão número cinco da Carta 68, Alfred Sinnett pergunta ao Mestre se as pessoas moralmente boas, mas não espiritualizadas, têm direito e conseguem acesso ao Devachan. Na sua resposta, o Mestre menciona aquilo que a tradição dos índios tupi-guarani chama de “Terra Sem Males”, e que constitui um equivalente indígena do Devachan. O Mestre explica que o Devachan “É uma ‘dimensão espiritual’ apenas em contraste com nossa própria e grosseira ‘dimensão material’ e, como já foi dito, são estes graus de espiritualidade que constituem e determinam a grande ‘diversidade’ de condições dentro dos limites do Devachan. Uma mãe de uma tribo selvagem não é menos feliz que uma mãe de um palácio real, com seu filho perdido de volta aos braços; e embora como Egos verdadeiros as crianças mortas prematuramente antes do aperfeiçoamento da sua entidade setenária não encontrem seu caminho para o Devachan, mesmo assim a fantasia amorosa da mãe encontra a criança lá, e nenhuma delas deixa de encontrar aquele ou aquela pelo qual seu coração anseia. Pode-se dizer que é apenas um sonho, mas, afinal, o que é a própria vida objetiva exceto um espetáculo de vívidas irrealidades? Os prazeres experimentados por um indígena pele-vermelha em seus ‘felizes campos de caça’ naquela Terra de Sonhos não são menos intensos que o êxtase sentido pelo connoisseur que passa longas eras enlevado pela delícia de escutar sinfonias divinas tocadas por coros e orquestras angelicais imaginários. Assim como não é culpa do pele-vermelha haver nascido como um ‘selvagem’ com instinto de matar – embora ele tenha causado a morte de muitos animais inocentes – se, contudo, ele foi um bom pai, um bom filho, marido, por que ele não deveria desfrutar da sua quota de recompensa? (Ver “Cartas” vol. I, pp. 300-301.)
De 1.000 a 4.000 Anos Antes da Próxima Encarnação
6.Um Longo Intervalo Entre Duas Vidas
O Devachan não é apenas um descanso espiritual merecido. Ele é também indispensável para que a alma imortal possa voltar renovada, em boas condições, à intensa luta que é a encarnação física. O bom guerreiro não deve ir mal-equipado e exausto para uma batalha que será longa e dura: se fizer isso, poderá perder a batalha em pouco tempo. Por isso o Devachan é indispensável para a evolução da alma espiritual: ele prepara a individualidade superior para a próxima “batalha” na Terra.
É verdade que há exceções. Um discípulo avançado dos Mestres de Sabedoria poderá 'cancelar' seu Devachan, reencarnando em apenas alguns anos ou décadas. Isso, porém, só é possível porque ele conhece em vida, e experimenta diariamente, em estado de vigília, algo da substância essencial da consciência que há no Devachan. Assim, nestes casos poucos freqüentes, a situação e a duração do pós-morte se altera. Os critérios da lei da reencarnação são universais. Eles não se alteram. Eles pertencem à lei do carma e não estão sujeitos a qualquer ação casuística ou clientelística em favor ou desfavor deste ou daquele indivíduo. O indivíduo é que deve alcançar a sabedoria, e viver estados equivalentes ao Devachan em vida, se quiser encurtar o processo pós-morte para servir a humanidade.
Os processos cósmicos (densos e sutis) são definidos por inteligências e hierarquias implícitas, intuitivas e espontâneas, que expressam de modo prático a pura lei universal e eterna do equilíbrio. Tais inteligências não necessitam tomar decisões ao estilo do nosso hemisfério cerebral esquerdo, de modo calculado, dualista e raciocinado. Tudo flui. Embora os Mestres que ainda retêm corpos físicos cumpram na hierarquia planetária as funções equivalentes a um “hemisfério cerebral esquerdo”, eles não trabalham com qualquer tipo de “casuísmo” e usam com grande rigor e parcimônia a energia dos Nirmanakayas que é colocada à sua disposição. Eles têm fortes motivos para isso.
Assim, no caso de cada indivíduo, o intervalo de tempo entre duas vidas dependerá da qualidade e quantidade do material que deve ser processado, ou re-vivenciado, nas esferas subjetivas do pós-morte. Seu intervalo de vida subjetiva só poderá mudar na medida em que tiver sido alterada, antes, a qualidade de vida na encarnação objetiva anterior.
Vamos agora documentar o intervalo médio entre duas vidas, segundo a literatura teosófica autêntica. Na pergunta 26 da Carta 93-B de “Cartas dos Mahatmas”, Alfred Sinnett menciona os casos infelizes em que o material espiritual do pós-morte não chega a ser suficiente para que a individualidade “nasça” no Devachan. Sinnett pergunta quando é que, nestes casos, a mônada (a alma imortal) poderá voltar ao plano físico para uma nova encarnação. Na resposta, o Mestre afirma: “certamente não antes de mil ou dois mil anos”. A frase completa diz: “Isso significa que, como a mônada não tem corpo Cármico para orientar o seu renascimento, cai na não-existência durante um certo período e depois reencarna ― certamente não antes de mil ou dois mil anos.” (“Cartas dos Mahatmas”, vol. II, p. 148, pergunta 26, e resposta única às perguntas 25 e 26).
Em outro texto, falando dos casos normais, em que há Devachan, o Mestre esclarece: “Sem dúvida, o Ego real é inerente aos princípios superiores que reencarnam periodicamente a cada mil, dois mil, três mil ou mais anos.” (“Cartas dos Mahatmas”, volume II, Carta 85B, p. 40). Na Carta 62, o Mestre explica mais uma vez que “os intervalos entre os renascimentos são incomensuravelmente grandes” (volume I, página 256). O início da resposta número nove da Carta 68 deixa, também, muito claro: o intervalo entre duas vidas é normalmente não só de anos e décadas, mas “séculos e milênios, freqüentemente multiplicados por alguma coisa mais”. E o Mestre acrescenta: “os prazos de existência encarnada de um homem correspondem a apenas uma pequena proporção dos seus períodos de existência internatal”. (volume I, p. 305).
H. P. Blavatsky não foi omissa a respeito do tamanho dos intervalos. No artigo intitulado “Teosofia e Espiritismo”, ela deixa claro que o período entre duas vidas é de milênios e não de séculos.[1] Em outro texto, H.P.B. menciona que, salvo exceções, o intervalo é de “cerca de 3.000 anos, às vezes mais, às vezes menos.” [2] Fica bem clara, assim, a dimensão do intervalo de tempo entre as encarnações segundo a teosofia clássica.
Quando a mônada está finalmente pronta para renascer, ela é tomada por um impulso por aprender mais. No caminho da vida física, ela se reencontrará com seus antigos skandhas ou registros cármicos, que aguardavam por ela para guiá-la em um novo ciclo de colheita e plantio.
NOTAS:
[1] “Theosophy and Spiritism”, em “The Collected Writings of H.P.Blavatsky”, Theosophical Publishing House, Adyar, India, volumeV, página 45.
[2] “Transmigration of Life Atoms”, texto publicado em “Theosophical Articles”, H.P. Blavatsky, Theosophy Co., Los Angeles, 1981, volume II, p. 249. O mesmo texto está no volume V de “Collected Writings”, TPH.
7.Por Que a Teosofia Se Opõe à Mediunidade
Diz um Mestre de Sabedoria, em “Cartas dos Mahatmas”:
“A regra é que uma pessoa que tenha uma morte natural permaneça “desde algumas horas até uns poucos anos” dentro da atração da terra, isto é, no Kama-loka. Mas há exceções, no caso dos suicidas e daqueles que têm uma morte violenta em geral. (...) (...) Felizes, três vezes felizes, em comparação, são aquelas entidades desencarnadas que dormem seu longo sono e vivem em sonhos no seio do Espaço! E pobres daqueles cuja Trishna [1] os atraia para os médiuns, e pobres destes últimos, que os colocam em tentação (...) Pois ao agarrar-se a eles e satisfazer sua sede de vida, o médium ajuda a desenvolver neles – é de fato a causa de – um novo conjunto de Skandhas, um novo corpo, com tendências e paixões muito piores que as do corpo anterior. (...) Se pelo menos os médiuns e espíritas soubessem, como eu disse, que cada novo “anjo-guia” a que eles dão as boas-vindas em êxtase é induzido por eles a um Upadana [2] que produzirá uma série de males indescritíveis para o novo Ego (...) – eles seriam, talvez, menos liberais na sua hospitalidade.”
“E agora você pode entender por que nos opomos com tanta força ao espiritismo e à mediunidade.” ( “Cartas dos Mahatmas”, Carta 68, Volume I, pp. 312-313)
Como Funciona a Lei da Reencarnação
Carta ao Leitor:
Esta edição especial de “O Teosofista” ― preparada com base em material do e-grupo Ser Atento ― aborda um tema ainda pouco esclarecido nos meios esotéricos de Brasil e Portugal. Vamos descrever em detalhes o processo prático da reencarnação, isto é, os vários estados e estágios pelos quais uma individualidade humana passa desde o final de uma vida física até o começo da próxima. Iremos investigar o que é que reencarna, e qual é o intervalo médio de tempo entre duas vidas da mesma alma imortal, segundo a filosofia esotérica de H. P. lavatsky.
A filosofia esotérica autêntica é amplamente desconhecida no Brasil. O boletim “O Teosofista”, o e-grupo Ser Atento e o website http://www.filosofiaesoterica.com/ estão cumprindo um papel pioneiro no seu estudo e divulgação. Para muitos, por exemplo, pode ser surpresa o fato de que, ao contrário do que se pensa em certos círculos, o intervalo médio entre duas vidas varia de mil a quatro mil anos.
No entanto, cabe examinar de início qual é a importância prática de compreender a lei da reencarnação. O segredo da resposta está na expansão de consciência. Ao estudar o tema, aprendemos a pensar além da vida atual e passamos a aceitar mais profundamente o fato de que somos mortais, enquanto eus inferiores e concretos. Isso pode ser inquietante, no início, porque inconscientemente gostamos de supor que somos eternos. Mas, depois da inquietação inicial, há por parte do estudante uma grande expansão do sentimento de confiança na VIDA. O motivo da nova confiança é a compreensão de que o centro essencial do seu ser viverá ininterruptamente por dezenas de milênios, até alcançar a libertação e o nirvana. A compreensão do processo da morte e da reencarnação elimina a causa do medo diante da vida, ou diante da morte.
A seguir, um enfoque da reencarnação com base nos ensinamentos autênticos das “Cartas dos Mahatmas” [1].
Boa leitura, Os Editores.
NOTA:
[1] “Cartas dos Mahatmas Para A.P. Sinnett”, Editora Teosófica, Brasília, 2001, dois volumes.
1. Um Ensinamento Antigo no Ocidente
O conceito de reencarnação está presente na cultura ocidental desde o seu berço. Seiscentos anos antes da era cristã, a reencarnação ou metempsicose era ensinada por Pitágoras. O Cristianismo dos primeiros tempos conhecia e ensinava a reencarnação sob o nome de “ressurreição”.
Foi durante o processo de montagem política do cristianismo como religião imperial e dominante que as passagens sobre reencarnação foram radicalmente distorcidas ou eliminadas do Novo Testamento.
O conceito atual e convencional de ressurreição é destituído de sentido e contraria as leis da natureza. Ele supõe que em algum momento futuro os mortos sairão fisicamente vivos das suas sepulturas, usando os mesmos corpos que morreram e apodreceram longo tempo atrás. Além de absurda, tal idéia é de um evidente mau-gosto. O conceito original de ressurreição, por outro lado, corresponde à idéia de reencarnação, não entra em choque com as leis da natureza e faz todo o sentido do ponto de vista da visão evolutiva das coisas. Dele restam alguns indícios nas escrituras cristãs.
No capítulo 15 da primeira epístola de Paulo aos Coríntios, Jesus é descrito como o ser que abre espaço para a ressurreição de todos. Segundo a leitura esotérica dos evangelhos, “Jesus” é na verdade um símbolo do sexto princípio, Buddhi, a sede da alma espiritual. É, realmente, através e a partir deste princípio divino na consciência humana que se dá a reencarnação ou ressurreição. Em 1 Co 15: 44, vemos:
“Semeia-se o corpo natural, ressuscita o corpo espiritual. Se há corpo natural, há também corpo espiritual.”
A frase significa que, conforme o corpo natural é semeado, o corpo espiritual “ressuscita” ou reencarna.
Em 1 Coríntios 15: 36-42, por exemplo, vemos:
“O que você semeia não readquire vida a não ser que morra. E o que você semeia não é o corpo da futura planta que deve nascer, mas um simples grão, de trigo ou de qualquer outra espécie. (...) Há corpos celestes e há corpos terrestres. São, porém, diferentes o brilho dos celestes e o brilho dos terrestres. Um é o brilho do sol, outro o brilho da lua, e outro o brilho das estrelas. E até de estrela para estrela há diferença de brilho. O mesmo se dá com a ressurreição dos mortos.”
No primeiro livro de Samuel, vemos outra passagem que, apesar do “pente fino” que eliminou a idéia da reencarnação do velho testamento, ainda sugere este conceito:
“O Senhor é o que tira a vida e a dá; faz descer à sepultura e faz subir.”
Também em Eclesiastes, apesar da censura dos teólogos, a reencarnação permanece implicitamente presente. Ali, no capítulo um, versículo nove, vemos:
“O que foi é o que há de ser; e o que se fez, isso se tornará a fazer; nada há, pois, novo debaixo do sol”.
De fato, seria absurdo imaginar que cada vez que um feto é concebido uma nova alma imortal é “fabricada”, e que esta alma só terá uma única chance de viver, no máximo cerca de cem anos, e jamais mais terá a possibilidade de retomar e completar prosseguir sua evolução natural em direção à libertação. As leis da natureza apontam na direção oposta. Como diz a lei de Lavoisier, “na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”; e as almas humanas não são uma exceção à regra.
2. Morte do Corpo é Apenas Uma Passagem
O estudo da reencarnação, segundo a literatura teosófica clássica, permite obter uma “visão de 360 graus” do processo de vida, morte e renascimento.
Um dos momentos decisivos ocorre com a passagem definitiva da consciência individual do mundo denso da matéria para o mundo sutil do astral. Este é o momento da morte física, que, na verdade, constitui mais um nascimento. A filosofia teosófica ensina que o ser humano não morre, se pelo verbo “morrer” entendemos uma cessação da vida. Ao contrário, o ser humano passa por três tipos de nascimento, rompendo três “placentas” em um ciclo que se renova sempre em espiral, até a sua auto-libertação final da roda do carma.
Vejamos quais são estes três nascimentos:
1) Ao romper a placenta que durante alguns meses lhe permitiu viver dentro do corpo da sua mãe, a alma imortal nasce para a vida física e adquire um novo corpo. Durante os sete primeiros anos de vida, aprenderá gradualmente a associar-se ao novo corpo e a dirigi-lo no “novo mundo”. 2) Setenta, noventa ou cem anos mais tarde, chega-se ao outro extremo da vida. Ao libertar-se do velho e gasto corpo físico (agora transformado em uma segunda placenta) a mesma alma humana nasce para o mundo mais sutil da vida astral.
3) Finalmente, ao romper a sua casca astral, algum tempo depois da morte física, a alma imortal passa a preparar-se para nascer no Devachan, o “local dos deuses”. Ali viverá um descanso abençoado até o momento de preparar-se para um novo nascimento no plano físico. Isso ocorrerá quando a individualidade “despertar” do Devachan, em média entre mil e quatro mil anos depois da morte física.
Fica claro, pelo estudo da reencarnação tal como ensinada pelos mestres dos Himalaias, que existe uma relação direta entre rumo da vida física e o rumo da vida no pós-morte. E uma das lições práticas desse estudo é que, já que a vida pós-morte é imensamente mais longa do que a vida física, vale a pena fazer um esforço concentrado para alcançar a paz interior e a sabedoria. Assim é estabelecida uma tendência firme na direção correta, que se desdobrará durante os milhares de anos seguintes. Para estar à altura deste desafio e desta oportunidade, o aprendiz deve ouvir o seu próprio coração e agir de acordo com a voz da sua consciência. Mas também é recomendável estudar e refletir sobre o funcionamento das leis ocultas do universo, inclusive a lei do carma e da reencarnação. O processo da reencarnação está ligado à lei mais ampla da manifestação periódica de toda vida. Esta lei se aplica tanto a seres humanos como a animais, a vegetais, a planetas e ao próprio universo. Sua abordagem se faz através da chamada Doutrina dos Ciclos.
Talvez o instante mais decisivo de todo o processo humano seja o minuto final e o ponto culminante da vida física. Veremos a seguir um trecho de uma carta de um Mahatma que traça uma fotografia do momento em que a alma termina sua experiência terrestre e faz uma recapitulação detalhada do que viveu, antes de iniciar o longo e complexo processo que ocorre entre duas vidas físicas.
O Mestre descreve o encadeamento natural de causas e efeitos que determinará não só as condições do pós-morte, mas também as condições, objetivas e subjetivas, do próximo nascimento.
Pode-se perceber facilmente a força destas palavras finais do trecho:
“Que falem em sussurros vocês que assistem a um leito de morte e se encontram na presença solene da Morte. Devem permanecer quietos especialmente logo após a Morte colocar sua mão fria e úmida sobre o corpo. Falem em sussurros, digo, para que não perturbem a calma vibração do pensamento, prejudicando o trabalho ativo do Passado que lança seu reflexo sobre o Véu do Futuro.”
O trecho reúne duas perguntas e duas respostas da Carta 93B em “Cartas dos Mahatmas Para A. P. Sinnett” (volume II, pp. 139-140):
[ O Que Acontece no Momento da Morte ]
Pergunta 16:
[Você diz: – “Lembre-se de que nós criamos nós próprios o nosso Devachan [ .... ] e principalmente durante os últimos dias e mesmo nos últimos momentos das nossas vidas sensíveis.”]
Resposta 16:
(16) Segundo uma crença amplamente difundida entre todos os hindus, o futuro estado pré-natal e o nascimento de uma pessoa são moldados pelo último desejo que ela pode ter no momento da morte. Mas este último desejo, dizem eles, depende necessariamente da forma que a pessoa tenha dado a seus desejos, paixões, etc., durante a sua vida passada. É por essa mesma razão, isto é, para que nosso último desejo não seja desfavorável ao nosso progresso futuro – que devemos observar nossas ações e controlar nossas paixões e desejos ao longo de toda nossa trajetória terrena.
Pergunta 17:
[Mas será que os pensamentos em que a mente pode estar envolvida no último momento dependem necessariamente do caráter predominante da vida passada? Caso contrário pareceria que o caráter do Devachan [ ....] da pessoa poderia ser determinado caprichosa e injustamente pelo acaso que trouxe para uma posição dominante, no final, algum pensamento específico?]
Resposta 17:
Não pode ser de outro modo. A experiência de homens que estavam morrendo – por afogamento ou outros acidentes – e são trazidos de volta à vida tem corroborado nossa doutrina em quase todos os casos. Tais pensamentos são involuntários e não temos mais controle sobre eles do que teríamos sobre a retina do olho para impedir que ela percebesse aquela cor que mais a afeta. No último momento, toda a vida é refletida em nossa memória e emerge em todos os ângulos e detalhes, imagem após imagem, um acontecimento depois do outro. O cérebro moribundo expele a memória com um forte impulso supremo, e a memória devolve fielmente cada impressão confiada a ela durante o período da atividade cerebral. A impressão – e o pensamento – que foi mais forte naturalmente se torna a mais vívida e sobrevive, digamos, a todo o resto que agora se desvanece e desaparece para sempre, para reaparecer apenas no Devachan. Nenhum homem morre insano ou inconsciente – ao contrário do que dizem alguns fisiólogos. Mesmo um louco, ou alguém que esteja sob um ataque de delirium tremens terá seu instante de perfeita lucidez no momento da morte, embora seja incapaz de dizer isso aos presentes. O homem pode freqüentemente parecer morto. No entanto desde a última pulsação, entre a última batida do seu coração e o momento em que a última fagulha de calor animal deixa o corpo – o cérebro pensa e o Ego revive de novo naqueles poucos e breves segundos toda a sua vida. Que falem em sussurros vocês que assistem a um leito de morte e se encontram na presença solene da Morte. Devem permanecer quietos especialmente logo após a Morte colocar sua mão fria e úmida sobre o corpo. Falem em sussurros, digo, para que não perturbem a calma vibração do pensamento, prejudicando o trabalho ativo do Passado que lança seu reflexo sobre o Véu do Futuro.
Estas são as perguntas e respostas 16 e 17 da Carta 93B, de “Cartas dos Mahatmas”, sobre o momento do abandono final do corpo físico.
3. A Luta Que Ocorre Após a Morte
Uma vez completada a morte do instrumento físico, pode-se dizer que está determinado o rumo de todo o processo até o próximo nascimento. Mas isso não significa que não deva haver luta entre as diferentes partes e inclinações do material vivencial que deve ser processado. Está feito o roteiro; agora, o caminho deve ser percorrido de fato.
Neste ponto, é necessário explicar algumas expressões usadas pelo Mahatma ao abordar o tema.
Para a filosofia esotérica, o ser humano tem sete princípios ou níveis de consciência. O primeiro é o corpo físico, sthula-sharira. O segundo princípio é a vitalidade, prana. O terceiro é linga-sharira, formado pelos arquétipos sutis da vitalidade, o que inclui o patrimônio genético e outros registros cármicos.
O quarto princípio, Kama, é o das emoções pessoais e sentimentos de ordem animal (medo, raiva, apego, rejeição, etc.). O quinto princípio, Manas, é a mente. O sexto, Buddhi, é o princípio da inteligência espiritual, da compaixão universal e da intuição superior. O sétimo, Atma, é o princípio supremo, o mais universal, do qual pouco se pode falar com palavras.
A “tríade inferior”, de que fala o mestre, corresponde aos princípios um, dois, e três, que cessam de funcionar no momento da morte: são o físico, o vital, e a “estrutura sutil da vitalidade”. Sobram então, na etapa inicial do pós-morte, quatro princípios de consciência, que o mestre chama de “quaternário sobrevivente”.
Destes quatro princípios, dois ainda são inferiores (Kama e Manas), e dois são espirituais (Buddhi e Atma). São duas duplas, portanto, e elas entram em uma “luta mortal” para ver quem predomina.
Quando ocorre a vitória da dupla espiritual, o que pode demorar desde algumas semanas até vários anos, a parte mais nobre de Manas, a mente, se associa a Buddhi (sexto princípio) e a Atma (sétimo princípio). É este material que irá dar lugar, mais adiante, ao “habitante do Devachan”, isto é, ao eu espiritual que viverá nas esferas abençoadas de um a quatro milênios do tempo cronológico terrestre, mas sem que tenha qualquer noção de tempo. O habitante do Devachan é o verdadeiro eu do indivíduo, e terá esta existência de bem-aventurança como recompensa cármica pelos aspectos espirituais da sua vida terrestre. Esta recompensa, na verdade, não é só um prêmio: é também a preparação para um futuro renascimento completamente renovado.
Separados dos princípios superiores, os restos inferiores e dejetos da mente se associarão ao quarto princípio (instintos e sentimentos pessoais), e ficarão algum tempo como uma “Casca” semi-viva no astral até se decomporem. É esta Casca que pode ser atraída para sessões mediúnicas e espíritas, e então é confundida com o indivíduo que um dia viveu. Mas, na verdade, a Alma da pessoa já está em níveis superiores e ali só há um precário cadáver astral. O Mestre usa ironicamente a expressão “guia angelical” — porque o espetáculo é lamentável. Revitalizar esta Casca é um erro grave, e cria problemas muito sérios para a próxima encarnação do eu superior. Mas isso não é tudo. Os médiuns também ficam gravemente prejudicados e alterados nos seus princípios sutis. Há uma violência impressionante no fato de o corpo de alguém ser ocupado pelos princípios inferiores de outro ser. Especialmente quando estes “princípios inferiores” são apenas pedaços de um cadáver astral.
Vejamos, então, a segunda metade da resposta 5, na Carta 68 de “Cartas dos Mahatmas”.
[ O Processo do Plano Astral ]
Todos os egos, exceto aquele que, atraído pelo seu magnetismo grosseiro, cai na corrente que o arrastará para o “planeta da Morte”, o satélite tanto mental quanto físico da nossa terra – estão capacitados para passar a uma condição relativamente “espiritual”, de acordo com a sua condição prévia na vida e seu modo de pensamento. Pelo que sei e recordo, H.P.B. explicou ao sr. Hume que o sexto princípio humano não poderia existir nem ter existência consciente no Devachan como algo puramente espiritual, a menos que assimilasse alguns dos atributos mentais mais abstratos e puros do quinto princípio ou alma animal, seu manas (mente) e sua memória. Quando o homem morre os seus segundo e terceiro princípios morrem com ele; a tríade inferior desaparece, e o quarto, o quinto, o sexto e o sétimo princípios formam o quaternário sobrevivente. (...) A partir de então há uma luta “mortal” entre as dualidades Superior e Inferior. Se vencer a superior, o sexto, tendo atraído para si a quinta-essência do Bem do quinto – as suas afeições mais nobres, as suas aspirações puras (embora terrestres), e as porções mais espiritualizadas da sua mente – segue o seu divino irmão mais velho (o 7º) até o estado de “gestação”; e o quinto e o quarto permanecem associados como uma casca vazia (a expressão é perfeitamente correta) que vagueia pela atmosfera terrestre tendo perdido metade da memória pessoal, e com os instintos mais animais completamente despertos durante um certo período de tempo – em resumo, um “Elementário”. Este é o guia angelical do médium comum. Se, por outro lado, for a Dualidade Superior a derrotada, é o quinto princípio que assimila tudo o que possa restar no sexto de lembrança pessoal e percepções da sua individualidade pessoal. Mas com todo este material adicional, ele não permanecerá em Kama-loka – “o mundo do Desejo” ou a atmosfera da nossa terra. Em muito pouco tempo, como uma palha flutuando dentro do campo de atração dos vórtices e buracos do Maelstrom [1] , ele é capturado e arrastado para o grande remoinho dos Egos humanos; enquanto o sexto e o sétimo – agora são uma MÔNADA individual puramente espiritual – que, nada tendo restado em si da última personalidade, e não tendo de passar por nenhum período regular de “gestação” (já que não há um Ego pessoal purificado para renascer) depois de um período mais ou menos prolongado de Descanso inconsciente no Espaço ilimitado se verá renascida em outra personalidade (...) . Quando chega o período da “Consciência Individual Completa” – que precede o período da Consciência Absoluta no Pari-Nirvana – esta vida pessoal perdida se torna algo como uma página arrancada no grande Livro das Vidas, sem que nem mesmo uma palavra desconexa tenha sido deixada para assinalar a sua ausência. A mônada purificada nem perceberá nem lembrará dela na série de vidas passadas – o que faria, se tivesse ido para o “Mundo das Formas” (rupa-loka) – e seu olhar retrospectivo não perceberá nem o mais leve sinal de que ela aconteceu. A luz de Samma-Sambuddh –
“...aquela luz que brilha além do nosso campo de visão mortal
A luz de todas as vidas em todos os mundos” –
não lança raio algum sobre aquela vida pessoal na série de vidas passadas.
A favor da humanidade, tenho a dizer que esta total obliteração de uma existência dos registros do Ser Universal não ocorre com freqüência suficiente para somar uma grande porcentagem. Na verdade, assim como o muito mencionado “deficiente mental congênito”, uma coisa como essa é um lusus naturae – uma exceção, não uma regra.
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Até aqui, as palavras do Mestre. A esta explicação, cabe acrescentar:
1) Um “Elementário” é uma casca ou cadáver astral em que predominam impulsos inferiores, negativos e nocivos.
2) O Devachan é um descanso no sentido de 'felicidade divina'. É um sonho, mas, como sabemos, os sonhos podem ser mais reais que a vida em vigília. A vida em vigília, por sua vez, talvez não passe de um sonho. De modo que não se deve desprezar o Devachan apenas porque ele é qualificado como um estado “subjetivo” de consciência. Ele é seguramente mais intenso (ver a parte 4 desta edição especial) e talvez mais “verdadeiro” do que a vigília.
NOTA:
[1] Maelstrom – um remoinho famoso, que ocorre na costa da Noruega.
4. Devachan: um Estado de Pura Felicidade
Nas duas primeiras perguntas da carta 68, em “Cartas dos Mestres”, o jornalista e discípulo leigo Alfred Sinnett pergunta se a consciência individual que “renasce” no Devachan é capaz de lembrar da sua vida na terra. Ele também quer saber que relação existe entre o “Devachan” ― o ponto culminante da trajetória entre duas vidas físicas segundo a filosofia oriental ― e a velha idéia do “paraíso” ou “céu” cristão.
A resposta é de um dos Mahatmas que inspiram os setores autênticos do movimento teosófico:
“Certamente, o novo Ego, depois de renascer, retém durante certo tempo – proporcional à sua vida terrestre, uma “completa lembrança da sua vida na terra.” (...) Mas ele nunca pode retornar à terra, do Devachan, e este último tampouco tem – mesmo omitindo todas as “idéias antropomórficas de Deus” – qualquer semelhança com o paraíso ou céu de qualquer religião, e foi a imaginação literária de H.P.B. que sugeriu a ela a maravilhosa comparação.”
Este Ego “nunca pode retornar à Terra”, conforme afirma o Mestre, porque ele ainda é o “eu espiritual” da vida anterior. Quem retornará à Terra será apenas a Mônada, ou Atma-Buddhi. Ela emergirá da etapa final e sem formas do Devachan (“Arupa-Devachan”), para provocar o seu próprio renascimento, sem recordações, em um novo corpo.
A seguir, na terceira pergunta da Carta 68, Alfred Sinnett deseja saber “quem vai para o Céu, ou Devachan”. E Sinnett explica a pergunta: “Esta condição só é atingida pelos poucos que são muito bons, ou pelos muitos que não são muito ruins – depois do lapso, no caso destes, de uma incubação ou gestação inconsciente mais longa?”
No segundo parágrafo da resposta, o mestre menciona que há um certo “egoísmo” no Devachan. Isso deve ser explicado. O Devachan é um estado 'egoísta' apenas em um sentido técnico da filosofia budista, já que, nele, o indivíduo não tem um sentimento consciente de auto-sacrifício por todos os seres. Porém o habitante do Devachan não possui nada de “egoísmo” no sentido comum do termo, que implica prejudicar alguém. Ele está em uma esfera autenticamente espiritual e de bem-aventurança. Está unido à lei universal, e neste sentido é “altruísta”, porque é “puro e inocente”.
O mestre responde:
“ ‘Quem vai para o Devachan?’ O Ego pessoal, é claro, mas beatificado, purificado, sagrado. Cada Ego – a combinação do sexto e do sétimo princípios – que, depois do período de gestação inconsciente, renasce no Devachan, é necessariamente tão puro e inocente quanto um bebê recém-nascido. O mero fato de haver renascido mostra a preponderância do bem sobre o mal em sua personalidade anterior. E, enquanto o (mau) carma fica de lado por algum tempo para segui-lo em sua futura encarnação terrestre, ele traz consigo para este Devachan o carma das suas boas ações, palavras e pensamentos. “Mau” é um termo relativo para nós – como já lhe foi dito mais de uma vez – e a Lei de Retribuição é a única lei que nunca falha. Portanto, todos aqueles que não caíram no lodo do pecado e da bestialidade irrecuperáveis – vão para o Devachan. Eles terão de pagar por seus pecados, voluntários e involuntários, mais tarde. Enquanto isso, eles são recompensados; recebem os efeitos das causas produzidas por eles.”
“Naturalmente se trata de um estado; um estado, digamos assim, de intenso egoísmo, durante o qual o Ego colhe a recompensa do seu altruísmo na terra. Ele está completamente envolvido na bênção de todas as suas afeições, preferências e pensamentos pessoais terrestres, e colhe o fruto das suas ações meritórias. Nenhuma dor, nenhuma aflição, e nem mesmo a sombra de uma tristeza surge para escurecer o horizonte iluminado da sua pura felicidade; porque é um estado de perpétua “Maya”. ... Já que a percepção consciente da personalidade do indivíduo na terra é apenas um sonho passageiro, esta percepção também será a de um sonho no Devachan – só que cem vezes mais intensa. Isso é tão verdade, de fato, que o Ego feliz é incapaz de ver através do véu as maldades, aflições e angústias a que os que ele amou na terra podem estar sujeitos. Ele vive naquele doce sonho com os que ama – quer tenham ido antes ou ainda permaneçam na terra; ele os têm perto de si, tão felizes, tão abençoados e tão inocentes como o próprio sonhador desencarnado; e no entanto, exceto raras visões, os habitantes do nosso planeta denso não o sentem. É aí, durante esta condição de completa Maya que as almas ou Egos astrais dos sensitivos puros e amorosos, operando sob a mesma ilusão, pensam que suas pessoas queridas descem até eles na terra, quando são os seus próprios Espíritos que se elevam até os outros no Devachan. Muitas das comunicações espirituais subjetivas – a maior parte delas quando os sensitivos têm mente pura – são reais; mas é extremamente difícil para o médium não-iniciado fixar em sua mente as imagens verdadeiras e corretas do que ele vê e ouve. Alguns dos fenômenos chamados de psicografia (embora mais raramente) são também reais. O espírito do sensitivo fica odilizado, digamos assim, pela aura do Espírito que está no Devachan, e se transforma durante alguns minutos naquela personalidade desencarnada, escrevendo com a letra desta última, com sua linguagem e seus pensamentos, como eles eram durante sua vida. Os dois espíritos ficam misturados como se fossem um; e a preponderância de um sobre o outro durante tais fenômenos determina a preponderância da personalidade nas características demonstradas em tais escritos e nas “falas em transe”. O que você chama de “rapport” é na verdade uma identidade de vibrações moleculares entre a parte astral do médium encarnado e a parte astral da personalidade desencarnada. Acabo de ver um artigo sobre o olfato escrito por um professor inglês (que farei com que seja comentado no Theosophist e sobre o qual direi algumas palavras) e descobri nele algo que se aplica ao nosso caso. Assim como, na música, dois sons diferentes podem formar parte de um acorde e ser distinguíveis separadamente, sendo que esta harmonia ou dissonância depende das vibrações sincrônicas e períodos complementares, do mesmo modo há um rapport entre o médium e a “entidade” quando as suas moléculas astrais se movimentam harmonizadamente. E a questão sobre se a comunicação refletirá mais a idiossincrasia pessoal de um ou de outro é determinada pela intensidade relativa dos dois conjuntos de vibrações na onda composta no Akasha. Quanto menos idênticos os impulsos vibratórios, mais mediúnica e menos espiritual será a mensagem. Deste modo, então, avalie o estado moral do seu médium pelo estado moral da Inteligência que supostamente o controla, e os seus testes de autenticidade não deixarão nada a desejar.”
5. Quem Tem Direito ao Devachan?
Na questão número cinco da Carta 68, Alfred Sinnett pergunta ao Mestre se as pessoas moralmente boas, mas não espiritualizadas, têm direito e conseguem acesso ao Devachan. Na sua resposta, o Mestre menciona aquilo que a tradição dos índios tupi-guarani chama de “Terra Sem Males”, e que constitui um equivalente indígena do Devachan. O Mestre explica que o Devachan “É uma ‘dimensão espiritual’ apenas em contraste com nossa própria e grosseira ‘dimensão material’ e, como já foi dito, são estes graus de espiritualidade que constituem e determinam a grande ‘diversidade’ de condições dentro dos limites do Devachan. Uma mãe de uma tribo selvagem não é menos feliz que uma mãe de um palácio real, com seu filho perdido de volta aos braços; e embora como Egos verdadeiros as crianças mortas prematuramente antes do aperfeiçoamento da sua entidade setenária não encontrem seu caminho para o Devachan, mesmo assim a fantasia amorosa da mãe encontra a criança lá, e nenhuma delas deixa de encontrar aquele ou aquela pelo qual seu coração anseia. Pode-se dizer que é apenas um sonho, mas, afinal, o que é a própria vida objetiva exceto um espetáculo de vívidas irrealidades? Os prazeres experimentados por um indígena pele-vermelha em seus ‘felizes campos de caça’ naquela Terra de Sonhos não são menos intensos que o êxtase sentido pelo connoisseur que passa longas eras enlevado pela delícia de escutar sinfonias divinas tocadas por coros e orquestras angelicais imaginários. Assim como não é culpa do pele-vermelha haver nascido como um ‘selvagem’ com instinto de matar – embora ele tenha causado a morte de muitos animais inocentes – se, contudo, ele foi um bom pai, um bom filho, marido, por que ele não deveria desfrutar da sua quota de recompensa? (Ver “Cartas” vol. I, pp. 300-301.)
De 1.000 a 4.000 Anos Antes da Próxima Encarnação
6.Um Longo Intervalo Entre Duas Vidas
O Devachan não é apenas um descanso espiritual merecido. Ele é também indispensável para que a alma imortal possa voltar renovada, em boas condições, à intensa luta que é a encarnação física. O bom guerreiro não deve ir mal-equipado e exausto para uma batalha que será longa e dura: se fizer isso, poderá perder a batalha em pouco tempo. Por isso o Devachan é indispensável para a evolução da alma espiritual: ele prepara a individualidade superior para a próxima “batalha” na Terra.
É verdade que há exceções. Um discípulo avançado dos Mestres de Sabedoria poderá 'cancelar' seu Devachan, reencarnando em apenas alguns anos ou décadas. Isso, porém, só é possível porque ele conhece em vida, e experimenta diariamente, em estado de vigília, algo da substância essencial da consciência que há no Devachan. Assim, nestes casos poucos freqüentes, a situação e a duração do pós-morte se altera. Os critérios da lei da reencarnação são universais. Eles não se alteram. Eles pertencem à lei do carma e não estão sujeitos a qualquer ação casuística ou clientelística em favor ou desfavor deste ou daquele indivíduo. O indivíduo é que deve alcançar a sabedoria, e viver estados equivalentes ao Devachan em vida, se quiser encurtar o processo pós-morte para servir a humanidade.
Os processos cósmicos (densos e sutis) são definidos por inteligências e hierarquias implícitas, intuitivas e espontâneas, que expressam de modo prático a pura lei universal e eterna do equilíbrio. Tais inteligências não necessitam tomar decisões ao estilo do nosso hemisfério cerebral esquerdo, de modo calculado, dualista e raciocinado. Tudo flui. Embora os Mestres que ainda retêm corpos físicos cumpram na hierarquia planetária as funções equivalentes a um “hemisfério cerebral esquerdo”, eles não trabalham com qualquer tipo de “casuísmo” e usam com grande rigor e parcimônia a energia dos Nirmanakayas que é colocada à sua disposição. Eles têm fortes motivos para isso.
Assim, no caso de cada indivíduo, o intervalo de tempo entre duas vidas dependerá da qualidade e quantidade do material que deve ser processado, ou re-vivenciado, nas esferas subjetivas do pós-morte. Seu intervalo de vida subjetiva só poderá mudar na medida em que tiver sido alterada, antes, a qualidade de vida na encarnação objetiva anterior.
Vamos agora documentar o intervalo médio entre duas vidas, segundo a literatura teosófica autêntica. Na pergunta 26 da Carta 93-B de “Cartas dos Mahatmas”, Alfred Sinnett menciona os casos infelizes em que o material espiritual do pós-morte não chega a ser suficiente para que a individualidade “nasça” no Devachan. Sinnett pergunta quando é que, nestes casos, a mônada (a alma imortal) poderá voltar ao plano físico para uma nova encarnação. Na resposta, o Mestre afirma: “certamente não antes de mil ou dois mil anos”. A frase completa diz: “Isso significa que, como a mônada não tem corpo Cármico para orientar o seu renascimento, cai na não-existência durante um certo período e depois reencarna ― certamente não antes de mil ou dois mil anos.” (“Cartas dos Mahatmas”, vol. II, p. 148, pergunta 26, e resposta única às perguntas 25 e 26).
Em outro texto, falando dos casos normais, em que há Devachan, o Mestre esclarece: “Sem dúvida, o Ego real é inerente aos princípios superiores que reencarnam periodicamente a cada mil, dois mil, três mil ou mais anos.” (“Cartas dos Mahatmas”, volume II, Carta 85B, p. 40). Na Carta 62, o Mestre explica mais uma vez que “os intervalos entre os renascimentos são incomensuravelmente grandes” (volume I, página 256). O início da resposta número nove da Carta 68 deixa, também, muito claro: o intervalo entre duas vidas é normalmente não só de anos e décadas, mas “séculos e milênios, freqüentemente multiplicados por alguma coisa mais”. E o Mestre acrescenta: “os prazos de existência encarnada de um homem correspondem a apenas uma pequena proporção dos seus períodos de existência internatal”. (volume I, p. 305).
H. P. Blavatsky não foi omissa a respeito do tamanho dos intervalos. No artigo intitulado “Teosofia e Espiritismo”, ela deixa claro que o período entre duas vidas é de milênios e não de séculos.[1] Em outro texto, H.P.B. menciona que, salvo exceções, o intervalo é de “cerca de 3.000 anos, às vezes mais, às vezes menos.” [2] Fica bem clara, assim, a dimensão do intervalo de tempo entre as encarnações segundo a teosofia clássica.
Quando a mônada está finalmente pronta para renascer, ela é tomada por um impulso por aprender mais. No caminho da vida física, ela se reencontrará com seus antigos skandhas ou registros cármicos, que aguardavam por ela para guiá-la em um novo ciclo de colheita e plantio.
NOTAS:
[1] “Theosophy and Spiritism”, em “The Collected Writings of H.P.Blavatsky”, Theosophical Publishing House, Adyar, India, volumeV, página 45.
[2] “Transmigration of Life Atoms”, texto publicado em “Theosophical Articles”, H.P. Blavatsky, Theosophy Co., Los Angeles, 1981, volume II, p. 249. O mesmo texto está no volume V de “Collected Writings”, TPH.
7.Por Que a Teosofia Se Opõe à Mediunidade
Diz um Mestre de Sabedoria, em “Cartas dos Mahatmas”:
“A regra é que uma pessoa que tenha uma morte natural permaneça “desde algumas horas até uns poucos anos” dentro da atração da terra, isto é, no Kama-loka. Mas há exceções, no caso dos suicidas e daqueles que têm uma morte violenta em geral. (...) (...) Felizes, três vezes felizes, em comparação, são aquelas entidades desencarnadas que dormem seu longo sono e vivem em sonhos no seio do Espaço! E pobres daqueles cuja Trishna [1] os atraia para os médiuns, e pobres destes últimos, que os colocam em tentação (...) Pois ao agarrar-se a eles e satisfazer sua sede de vida, o médium ajuda a desenvolver neles – é de fato a causa de – um novo conjunto de Skandhas, um novo corpo, com tendências e paixões muito piores que as do corpo anterior. (...) Se pelo menos os médiuns e espíritas soubessem, como eu disse, que cada novo “anjo-guia” a que eles dão as boas-vindas em êxtase é induzido por eles a um Upadana [2] que produzirá uma série de males indescritíveis para o novo Ego (...) – eles seriam, talvez, menos liberais na sua hospitalidade.”
“E agora você pode entender por que nos opomos com tanta força ao espiritismo e à mediunidade.” ( “Cartas dos Mahatmas”, Carta 68, Volume I, pp. 312-313)
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