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domingo, 19 de outubro de 2008

O Discurso do Prêmio Nobel da Paz


Irmãos e Irmãs,
É uma honra e um prazer estar com vocês hoje. Estou realmente feliz por ver tantos amigos que vieram de diferentes cantos do mundo e de fazer novos amigos, a quem espero encontrar novamente no futuro. Quando encontro pessoas em locais diferentes do mundo, me lembro sempre de que somos basicamente parecidos: somos todos seres humanos. Talvez usemos roupas diferentes, a nossa pele tenha uma coloração diferente, ou falemos línguas diferentes. Isso é só na superfície. Basicamente, somos os mesmos seres humanos. É isso que nos liga uns aos outros. É isso que torna possível para nós nos compreendermos e desenvolvermos amizade e intimidade.
Pensando no que deveria falar hoje, decidi partilhar com vocês algumas das minhas idéias sobre problemas comuns que todos nós enfrentamos como membros da família humana. Como todos partilhamos este pequeno planeta Terra, temos que aprender a viver em harmonia e em paz uns com os outros e com a natureza. Isso não é um sonho, mas uma necessidade. Dependemos uns dos outros de tantas maneiras que não mais conseguimos viver em comunidades isoladas e ignorar o que está acontecendo fora delas. Temos que nos ajudar quando enfrentamos dificuldades e precisamos partilhar a boa sorte que temos. Falo a vocês apenas como outro ser humano, um simples monge. Se acharem útil o que eu digo, então espero que tentem praticar.
Gostaria também de partilhar hoje com vocês os meus sentimentos quanto à difícil situação e às aspirações do povo do Tibet. O Prêmio Nobel é um prêmio que eles bem merecem pela sua coragem e determinação inabalável durante os últimos quarenta anos de ocupação estrangeira. Como um representante livre dos meus compatriotas cativos, sinto que é meu dever falar em nome deles. Não falo com um sentimento de raiva ou ódio contra aqueles que são os responsáveis pelos imensos sofrimentos do nosso povo e pela destruição de nossa terra, das nossas casas e da nossa cultura. Eles também são seres humanos que lutam para encontrar a felicidade e merecem a nossa compaixão. Falo para informá-los da triste situação atual do meu país e das aspirações do meu povo porque, em nossa luta pela liberdade, a verdade é a única arma que possuímos.
A compreensão de que somos todos basicamente os mesmos seres humanos, que buscam a felicidade e tentam evitar o sofrimento, ajuda bastante no desenvolvimento de um sentido de irmandade — uma sensação cálida de amor e compaixão pelos outros. Isto, por sua vez, é essencial se temos que sobreviver neste mundo cada vez menor em que nos encontramos. Pois, se de forma egoísta, buscamos somente aquilo que acreditamos ser do nosso interesse individual, sem nos preocuparmos com as necessidades dos outros, poderemos terminar não só por prejudicá-los como também a nós mesmos. Esse fato ficou claro durante o desenrolar deste século. Sabemos atualmente que deflagrar uma guerra nuclear, por exemplo, seria uma forma de suicídio, ou que poluir o ar ou os oceanos para conseguir algum benefício em curto prazo seria destruir a base do nosso próprio sustento. Quando indivíduos e nações estão se tornando cada vez mais interdependentes, não temos outra escolha senão desenvolver o que chamo de um sentido de responsabilidade universal.
Hoje, somos verdadeiramente uma família global. Aquilo que acontece numa parte do mundo pode afetar todos nós. Isto, naturalmente, não é verdade somente quanto às coisas negativas que acontecem, mas é igualmente válido para os desenvolvimentos positivos. Não apenas sabemos o que acontece em outros lugares, graças à extraordinária tecnologia das comunicações modernas, como somos diretamente afetados por eventos que ocorrem em locais distantes. Sentimos uma sensação de tristeza quando crianças definham na África oriental. Da mesma maneira, sentimos alegria quando uma família, após décadas de separação pelo Muro de Berlim, volta a se reunir. Nossos grãos e rebanhos são contaminados e a nossa saúde e a nossa vida ficam ameaçadas quando ocorre um acidente nuclear a milhas de distância em outro país. Nossa própria segurança aumenta quando a paz prevalece entre partidos em guerra em outro continente.
Mas a guerra ou a paz, a destruição ou a proteção da natureza, a violação ou a promoção dos direitos humanos e da liberdade democrática, a pobreza ou o bem estar material, a falta de moral e de valores espirituais ou a sua existência e aprimoramento e o colapso ou o desenvolvimento da compreensão humana não são fenômenos isolados que podem ser analisados e tratados independentemente um do outro. Na verdade, eles estão muito interligados em todos os níveis e precisam ser abordados por meio dessa compreensão.
A paz, no sentido de ausência de guerra, tem pouco valor para alguém que está morrendo de fome ou frio. Ela não removerá a dor da tortura infligida a um prisioneiro da consciência. Não confortará aqueles que perderam os seus entes queridos em inundações causadas pelo desflorestamento despropositado num país vizinho. A paz pode perdurar apenas onde os direitos humanos são respeitados, onde as pessoas estão alimentadas e onde os indivíduos e as nações são livres. A verdadeira paz dentro de nós e no mundo à nossa volta somente poderá ser atingida por meio do desenvolvimento da paz mental. Os outros fenômenos estão interligados de modo similar. Assim, por exemplo, vemos que um ambiente bem cuidado e a riqueza ou a democracia pouco significam em face da guerra, especialmente a nuclear, e no desenvolvimento material não é suficiente para assegurar a felicidade humana.
O progresso material é naturalmente importante para o progresso humano. No Tibet, demos muito pouca atenção ao avanço tecnológico e econômico, e atualmente compreendemos que isso foi um erro. Ao mesmo tempo, o desenvolvimento material sem o desenvolvimento espiritual pode também causar problemas sérios. Em alguns países, presta-se atenção demais às coisas externas e dá-se muito pouca importância ao crescimento interior. Acredito que ambos são importantes e devem ser desenvolvidos lado a lado para que se consiga um bom equilíbrio entre eles. Os tibetanos são sempre descritos pelos visitantes estrangeiros como um povo feliz e jovial. Isso é parte do nosso caráter nacional, formado pelos valores culturais e religiosos que enfatizam a importância da paz mental obtida com a geração de amor e de benevolência para todos os outros seres vivos sencientes, tanto humanos quanto animais. A paz interior é a chave: se vocês tiverem paz interior, os problemas externos não afetarão o seu sentido profundo de paz e de tranqüilidade. Nesse estado mental vocês poderão lidar com as situações com calma e racionalidade enquanto mantêm a sua felicidade interior. Isso á muito importante. Sem a paz interior, mesmo que a sua vida seja materialmente confortável, vocês permanecerão aborrecidos, preocupados ou infelizes devido às circunstâncias.
Portanto, fica clara a grande importância de se compreender o inter-relacionamento entre esses e outros fenômenos e de se abordar os problemas e tentar resolvê-los de modo equilibrado, levando em consideração esses diferentes aspectos. Naturalmente não é fácil. Mas há pouco benefício na tentativa de solucionar um problemas criando outro igualmente sério. De fato, não temos alternativa: precisamos desenvolver um sentido de responsabilidade universal não somente do ponto de vista geográfico, mas também em relação a várias questões com que se confronta o nosso planeta.
A responsabilidade não está unicamente com os líderes dos nossos países ou com aqueles que foram apontados ou eleitos para um determinado trabalho. Está individualmente em cada um de nós. A paz, por exemplo, começa dentro de cada um de nós. Quando temos a paz interior, podemos estar em paz com os que estão à nossa volta. Quando a nossa comunidade está num estado de paz, ela pode partilhar essa paz com as comunidades vizinhas, e assim por diante. Quando sentimos amor e benevolência para com os outros, isso não faz apenas com que eles se sintam amados e respeitados, mas nos ajuda a desenvolver felicidade e paz interiores. E existem maneiras com as quais podemos conscientemente trabalhar para desenvolver os sentimentos de amor e de benevolência. Para alguns de nós, o modo mais eficaz de fazer isso é por meio da prática religiosa. Para outros, podem ser as práticas não religiosas. O que importa é cada um de nós fazer um esforço sincero para assumir seriamente a sua responsabilidade pelo outro e pelo ambiente natural.
Sinto-me encorajado pelos avanços que estão ocorrendo à nossa volta. Depois que os jovens de vários países, particularmente do norte da Europa, pediram repetidamente o fim da perigosa destruição ambiental que estava sendo feita em nome do desenvolvimento econômico, os líderes políticos do mundo começam agora a tomar medidas significativas para resolver este problema. O parecer da Comissão Mundial para o Ambiente e Desenvolvimento enviado para a Secretaria Geral das Nações Unidas (o relatório Brundtland) foi um passo importante para instruir os governos a respeito da urgência desse assunto. Esforços sérios para trazer paz para zonas de guerra e para implementar o direito da autodeterminação de alguns povos resultaram na retirada das tropas soviéticas do Afeganistão e no estabelecimento da independência da Namíbia. Esforços populares pacíficos e persistentes promoveram mudanças dramáticas em diferentes lugares, aproximando vários países da verdadeira democracia, de Manila, das Filipinas, a Berlim, na Alemanha Oriental. Com a era da Guerra Fria a aparentemente chegando ao fim, pessoas em todas as partes vivem com uma esperança renovada. Infelizmente, os esforços corajosos do povo chinês para estabelecer uma mudança similar no seu país foram brutalmente esmagados no último mês de junho. Mas os seus esforços também são uma fonte de esperança. Os militares não extinguiram o desejo de liberdade e a determinação do povo chinês de atingi-la. Admiro particularmente o fato de esses jovens, que foram ensinados que "o poder cresce no cano do revólver", terem escolhido, de modo inverso, usar a não-violência como arma.
O que essas mudanças positivas indicam é que a razão, a coragem, a determinação e um desejo inextinguível de liberdade podem finalmente vencer. Na luta entre as forças da guerra, a violência e a opressão de um lado, e a paz, a razão e a liberdade do outro, este último está levando vantagem. Tal compreensão enche a nós, tibetanos, com a esperança de que algum dia nós também seremos novamente livres.
O fato de ter recebido o Premio Nobel, eu, um simples monge do distante Tibet, aqui na Noruega, também nos enche a nós, tibetanos, de esperança. Significa que, apesar do fato de não termos chamado a atenção para a nossa situação difícil por meio da violência, não fomos esquecidos. Significa também que os valores que nutrimos, em particular o nosso respeito por todas as formas de vida e de crença no poder da verdade, são hoje reconhecidos e encorajados. É também um tributo ao meu mentor, Mahatma Gandhi, cujo exemplo é uma inspiração para muitos de nós. O prêmio deste ano é uma indicação de que esse sentido de responsabilidade universal está se desenvolvendo. Estou profundamente tocado pela preocupação sincera mostrada por várias pessoas no Tibet. Isso é uma fonte de esperança não somente para nós, tibetanos, mas para todos os povos oprimidos.
Como vocês sabem, o Tibet está, há quarenta anos, sob ocupação estrangeira. Atualmente, mais de quatro de milhão de tropas chinesas mantêm bases no Tibet. Algumas fontes estimam que o exército de ocupação tenha duas vezes essa força. Durante esse tempo, os tibetanos têm sido privados de seus direitos humanos mais básicos, incluindo o direito à vida, o direito de ir e vir, o direito de expressão e o direito religioso, para mencionar apenas alguns. Mais de um sexto dos seis milhões de habitantes do Tibet morreu como resultado direto da invasão e ocupação chinesas. Mesmo antes do início da Revolução Cultural, vários monastérios, templos e construções históricas tibetanas foram destruídos. Quase tudo que restou foi devastado durante a Revolução Cultural. Não desejo alongar-me nesse ponto, pois tudo está bem documentado. Contudo, é importante compreender que, apesar da liberdade limitada garantida após 1979 para a reconstrução de partes de alguns monastérios e de outros símbolos da liberalização, os direitos humanos fundamentais do povo tibetano são sistematicamente violados até hoje. Nos últimos meses, essa difícil situação tornou-se ainda pior.
Se não fosse pela nossa comunidade no exílio, tão generosamente abrigada e sustentada pelo governo e pelo povo da Índia e ajudada por organizações e indivíduos de várias partes do mundo, a nossa nação hoje seria um pouco mais do que a reminiscência destroçada de um povo. A nossa cultura, religião e identidade nacionais teriam sido definitivamente eliminadas. Na posição atual, construímos escolas e monastérios no exílio e criamos instituições democráticas para servir o nosso povo e preservar as sementes da nossa civilização. Com essa experiência, pretendemos implementar uma democracia total num futuro Tibet livre. Assim, enquanto desenvolvemos a nossa comunidade no exílio sob uma orientação moderna, também nutrimos e preservamos a nossa própria identidade e cultura e trazemos esperança para milhões de compatriotas no Tibet.
O assunto da maior preocupação e urgência neste momento é a afluência maciça de colonos chineses ao Tibet. Embora nas primeiras décadas de ocupação um número considerável de chineses tenha sido transferido para as partes orientais do Tibet — nas províncias de Amdo (Xingai) e Kham (cuja maior parte foi anexada pela província chinesa vizinha), desde 1983 um número sem precedentes de chineses foi encorajado pelo governo a migrar para todas as partes do Tibet, incluindo o Tibet central e ocidental (ao qual a República Popular da China se refere como Região Autônoma do Tibet). Os tibetanos foram rapidamente reduzidos a uma minoria insignificante em seu próprio país. Esse avanço, que ameaça a própria sobrevivência da nação tibetana, sua cultura e herança espiritual, ainda pode ser interrompido e revertido. Mas isso precisa ser feito agora, antes que seja tarde demais.
O novo ciclo de protesto e repressão violenta, que começou no Tibet em setembro de 1987 e culminou na imposição da lei marcial na capital, Lhassa, em março deste ano, foi em grande parte uma reação a essa tremenda afluência de chineses. As informações que chegam até nós no exílio indicam que marchas e outras formas pacíficas de protesto continuam em Lhassa e em vários outros locais no Tibet, apesar da punição severa e do tratamento desumano dado aos tibetanos por expressarem as suas queixas. O número de tibetanos mortos pelas forças de segurança durante o protesto de março e o dos que morreram posteriormente na prisão não são conhecidos, mas se acredita que sejam superiores a duzentos. Milhares foram detidos ou capturados e aprisionados, e a tortura é comum.
Foi para contrapor os fatos que constituem a base do agravamento dessa situação e para evitar outro derramamento de sangue que propus o que é geralmente chamado de O Plano dos Cinco Objetivos para a Paz, para a restauração da paz e dos direitos humanos no Tibet. Elaborei o plano numa conferência em Estrasburgo no ano passado. Acredito que ele forneça uma estrutura sensata e realista para as negociações com a República Popular da China. Contudo, até agora os líderes chineses não têm se mostrado desejosos de responder de maneira construtiva. A brutal supressão do movimento democrático chinês em junho deste ano, entretanto, reforçou o meu ponto de vista de que qualquer decisão sobre a questão tibetana somente será significativa se for apoiada por garantias internacionais adequadas.
O Plano dos Cinco Objetivos para a Paz relaciona os assuntos principais e inter-relacionados aos quais me referi na primeira parte desta conferência. Ele cita: (1) a transformação de todo o Tibet, inclusive das províncias orientais de Kham e Amdo numa zona de ahimsa (não-violência); (2) abandono da política de migração da população chinesa para o Tibet; (3) respeito pelos direitos humanos fundamentais e liberdade democrática do povo tibetano; (4) restauração e negociações intensivas sobre a posição futura do Tibet e das relações entre os povos tibetano e chinês. Na conferência de Estrasburgo, propus que o Tibet se transformasse numa entidade política, democrática e com governo próprio.
Gostaria de aproveitar esta oportunidade para explicar o que é a zona de ahimsa ou o conceito de um santuário de paz, que é o elemento central do Plano dos Cinco Objetivos para a Paz. Estou convencido de que é de grande importância não apenas para o Tibet, mas para a paz e a estabilidade na Ásia.
Tenho um sonho que todo o platô tibetano se torne um refúgio livre onde a humanidade e a natureza possam viver em paz e num equilíbrio harmonioso. Seria um local aonde as pessoas de todas as partes do mundo poderiam ir para buscar o verdadeiro significado da paz dentro de si mesmas, longe das tensões e das pressões do restante do mundo. O Tibet poderia tornar-se verdadeiramente um centro criativo para a promoção e o desenvolvimento da paz.
Seguem-se os elementos-chave da zona de ahimsa como foi proposta:
todo o platô tibetano seria desmilitarizado;
a fabricação, os testes e o armazenamento de armas nucleares e outros armamentos no platô tibetano seriam proibidos;
o platô tibetano seria transformado no maior parque natural ou de biosfera do mundo. Leis severas seriam redigidas para proteger a vida selvagem e a vida vegetal; a exploração de recursos naturais seria cuidadosamente regulamentada para não haver danos relevantes aos ecossistemas, e seria adotada uma política de desenvolvimento sustentável nas áreas habitadas.
seriam proibidas a fabricação e a utilização de armas nucleares e de outras tecnologias que produzam resíduos perigosos;
os recursos nacionais e a política seriam dirigidos para a promoção dinâmica da paz e da proteção ambiental. As organizações dedicadas a promover a paz de todas as formas de vida seriam bem acolhidas no Tibet;
seria encorajado o estabelecimento no Tibet de organizações internacionais e regionais para a promoção e proteção dos direitos humanos.
A altitude e a extensão do Tibet (do tamanho da Comunidade Européia) e também a sua história única e a profunda herança espiritual o tornam um local ideal para desempenhar o papel de santuário da paz no coração estratégico da Ásia. Isso também se ajustaria à posição histórica do Tibet como uma nação budista pacífica e como uma região intermediária que separa grandes poderes do continente asiático, muitas vezes rivais.
Para reduzir as tensões existentes na Ásia, o presidente da União Soviética, Sr. Gorbatchev, propôs a desmilitarização das fronteiras soviético-chinesas e a sua transformação numa "fronteira de paz e de boa vizinhança". O governo do Nepal tinha proposto anteriormente que a parte correspondente ao Himalaia do Nepal, fronteiriça do Tibet, se tornasse uma zona de paz, embora esta proposta não incluísse a desmilitarização do país.
Para haver estabilidade e paz na Ásia, é essencial criar zonas de paz para separar os maiores poderes do continente e os adversários em potencial. A proposta do Presidente Gorbatchev, que inclui também uma retirada completa das tropas soviéticas da Mongólia, ajudaria a reduzir a tensão e o potencial confronto entre a União Soviética e a China. Uma verdadeira zona de paz deve também ser claramente criada para separar os dois países mais populosos do mundo: a China e a Índia.
O estabelecimento de uma zona de ahimsa requereria a retirada das tropas e das bases militares do Tibet, o que possibilitaria que a Índia e o Nepal também retirassem suas tropas e bases militares da região do Himalaia fronteiriça do Tibet. Isto teria que ser conseguido por meio de acordos internacionais. Seria do maior interesse para todas as nações da Ásia, particularmente da China e da Índia, pois aumentaria a sua segurança ao mesmo tempo em que reduziria a preocupação econômica de manter uma grande concentração de tropas em áreas remotas.
O Tibet não seria a primeira área estratégica a ser desmilitarizada. Partes da Península do Sinai — o território egípcio que separa Israel do Egito — ficaram desmilitarizadas por algum tempo. Naturalmente, a Costa Rica é o melhor exemplo de um país totalmente desmilitarizado.
O Tibet também não seria a primeira área a ser transformada numa reserva natural da biosfera. Foram criados muitos parques desse tipo no mundo. Algumas áreas especialmente estratégicas foram transformadas em "parques de paz" naturais. Dois exemplos são o Parque La Amistad na fronteira entre a Costa Rica e a Nicarágua.
Quando visitei a Costa Rica este ano constatei como um país pode se desenvolver com sucesso sem um exército, como se tornar uma democracia estável comprometida com a paz e com a proteção do ambiente natural. Isso confirmou a minha crença de que a minha visão do Tibet no futuro é um plano realista e não meramente um sonho.
Permitam-me terminar com uma nota de agradecimento a todos vocês e a seus amigos que não se encontram aqui hoje. A preocupação e o apoio que expressaram pela situação dos tibetanos nos tocou imensamente e continuará a nos dar coragem para lutar pela liberdade e pela justiça, e não pelo uso de armas, mas com as máquinas poderosas da verdade e da determinação. Sei que falo em benefício de todo o povo do Tibet quando agradeço a vocês a peço que não esqueçam o Tibet neste momento crítico da história do nosso país. Esperamos também contribuir para o desenvolvimento de um mundo mais pacífico, mais humano e mais belo. Um futuro Tibet livre buscará ajudar àqueles que passam por necessidades em todo o mundo, a proteger a natureza e a promover a paz. Acredito que a nossa capacidade tibetana de combinar qualidades espirituais com atitudes realistas e práticas nos capacita a fazer uma contribuição especial, embora de maneira modesta. Essa é a minha esperança e a minha oração.
Para concluir, permita-me partilhar com vocês uma pequena oração que me transmite grande inspiração e determinação:
Enquanto o espaço existir E enquanto houver seres humanos Que eu também permaneça Para dispersar a miséria do mundo.
Obrigado.

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