Quem sou eu

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Contemplação


Contemplação
Damodar Mavalankar
Uma compreensão errônea geral acerca do assunto costuma prevalecer. Uma pessoa se confina por um tempo num quarto e se fixa passivamente no próprio nariz, num ponto na parede ou talvez num cristal com a impressão de que esta é a verdadeira forma de contemplação praticada pela Raj Yoga. Muitos não percebem que o verdadeiro ocultismo requer um desenvolvimento físico, mental, moral e espiritual em paralelo e se prejudicam, tanto física quanto espiritualmente, pela falsa prática do que acreditam ser Dhyan. Alguns pontos podem ser mencionados aqui com proveito e como advertência para estudantes demasiado zelosos.
Em Bareilly, o autor encontrou um membro da Sociedade Teosófica de Farrukhabad, que narrou a sua experiência, derramando amargas lágrimas de arrependimento pelo que chamou de suas antigas tolices. O seu depoimento deixou transparecer que quinze ou vinte anos antes, tendo lido sobre contemplação no Bhagavad Gita, começou uma prática sem a correta compreensão do seu significado esotérico e a continuou por vários anos. Em um primeiro momento experimentou uma sensação de prazer, mas simultaneamente descobriu que estava gradualmente perdendo o autocontrole, até que, depois de poucos anos, para seu grande desapontamento e dor, descobriu que já não tinha comando sobre si mesmo. Seus sentimentos foram ficando pesados, como se uma carga tivesse sido colocada sobre eles. Não tinha controle sobre as suas sensações e era como se a comunicação entre seus pensamentos e sentimentos tivesse sido interrompida. Como a sua situação foi piorando, em desgosto, interrompeu a sua “contemplação”. Isto aconteceu há sete anos e, apesar de que desde então ele não tenha se sentido pior, nunca restabeleceu a sua saúde física e mental anterior.
Um outro caso que aconteceu sob a observação do autor foi em Jubbulpore. Um senhor, depois de ter lido Patanjali e outros trabalhos do tipo, começou a sentar-se para a “contemplação”. Depois de pouco tempo, começou a ter visões anormais e ouvir sinos, mas não conseguia exercer qualquer controle sob nenhum desses fenômenos, nem mesmo das suas próprias sensações. Não conseguia produzir estes fenômenos por vontade própria, nem conseguia interrompe-los quando estavam ocorrendo. Inúmeros exemplos como estes podem ser citados. Enquanto escreve estas linhas, o autor tem em sua mesa duas cartas sobre este assunto, uma de Moradabad e outra de Trichinopoly. Em síntese, todo dano é causado por ausência da correta compreensão do significado da contemplação como praticada por estudantes de todas as escolas da Filosofia Oculta. Com o objetivo de proporcionar um vislumbre da Realidade através do denso véu que cobre os mistérios desta Ciência das Ciências, um artigo, O Elixir da Vida, foi escrito. Infelizmente, em demasiados casos, a semente parece ter caído em solo árido. Alguns dos seus leitores acreditam no que diz aquele texto quando recomenda:
Raciocinando do conhecido para o desconhecido, a meditação precisa ser praticada e encorajada.
Mas, infelizmente, seus preconceitos os impedem de compreender o que se quer dizer por meditação. Eles esquecem que a meditação ali mencionada é “o inexpressável anseio do homem interior em direção ao infinito, o que em épocas antigas era o real significado de adoração” – como mostra a frase seguinte. Uma boa dose de luz seria lançada sobre esta matéria se o leitor se voltasse para uma parte anterior deste mesmo texto e lesse atentamente os seguintes parágrafos:
Então, chegamos a um ponto onde nos determinamos, de maneira literal, não metaforicamente, quebrar a casca exterior, conhecida como a parte mortal externa ou o corpo e sair fora dela, vestidos com o nosso próximo veículo. O “próximo” não é espiritual, mas uma forma um pouco mais sutil. Tendo adaptado esse veículo, depois de um longo treinamento, à vida na atmosfera, durante este tempo gradualmente fazemos com que a casca externa morra através de um certo processo .... temos que nos preparar para esta transformação psicológica.
Como o faremos? Em primeiro lugar temos que lidar com o próprio corpo material e visível, o homem, assim chamado, embora, de fato somente a sua casca externa. Devemos levar em conta que a Ciência nos ensina que a cada sete anos mudamos de pele de maneira tão efetiva como uma serpente; e esta mudança é tão imperceptível e gradual que, não tivesse a ciência, depois de anos de observação e estudo intensivo, nos assegurado disto, não teríamos a mínima suspeita do fato .... Portanto, se um homem parcialmente esfolado vivo sobrevive em alguns casos e se reveste de uma nova pele, também o nosso astral ou corpo vital (duplo etérico) .... pode ser levado a tornar suas partículas mais espessas em relação às transformações atmosféricas. Todo o segredo consiste em fazê-lo evoluir e separa-lo do corpo visível enquanto seus átomos geralmente invisíveis se concretizam numa massa compacta, para que gradualmente se livrem das velhas partículas da moldura externa de forma a fazer com que morram e desapareçam antes que uma nova estrutura tenha tido tempo de evoluir e substituí-las. Não podemos dizer mais nada.
Uma compreensão correta do processo científico acima mencionado dará a chave para o significado esotérico da meditação ou contemplação. A ciência nos ensina que o homem muda o seu corpo físico continuamente e esta mudança é tão gradual que é quase imperceptível. Por que seria diferente com o homem interior? Este último também está se desenvolvendo e mudando de átomos a cada momento. E a atração desses novos grupos de átomos depende da Lei de Afinidade – os desejos do homem atraindo para sua morada física só aquelas partículas que forem necessárias para lhes dar expressão.
Pois a Ciência nos mostra que o pensamento é dinâmico e que a força do pensamento que se desenvolve por ações nervosas expandindo-se externamente obrigatoriamente afeta as relações moleculares do homem físico. O homem interno, no entanto, mesmo o seu organismo sendo mais sublimado, é também composto de partículas reais, não hipotéticas, sujeitas à lei que determina que uma “ação” tem a tendência a se repetir; uma tendência a estabelecer ações análogas na “casca” mais grosseira com que está em contato e dentro da qual está escondida – O Elixir da Vida.
Para que se esforça o aspirante de Yoga Vidya senão para ganhar Mukti através da sua transferência gradual do corpo grosseiro para o corpo menos grosseiro, até que, os véus de Maya sendo sucessivamente removidos, o seu Atma se torne uno com Paramatma? Será que ele supõe que este magnífico resultado possa ser alcançado em duas ou quatro horas de contemplação? E nas vinte ou vinte e duas horas restantes do dia em que o devoto não se fecha em seu quarto para meditar, cessará esse processo de emissão de átomos e sua conseqüente substituição por outros? Se não, então como ele espera conseguir atrair por todo este tempo só as partículas adequadas para o fim que almeja? Pelo comentário acima se torna evidente que assim como o corpo físico necessita de uma atenção incessante para se impedir a entrada de uma doença, também o homem interno requer uma atenção intensa, para que nenhum pensamento consciente ou inconsciente possa atrair átomos inadequados para o seu progresso. Esse é o real significado da contemplação. O fator primordial para guiar o pensamento é a Vontade.
Sem isto, tudo o mais é inútil. E, para que o propósito se torne eficiente, precisa ser não apenas uma resolução passageira do momento ou um forte desejo de curta duração, mas um esforço bem sedimentado e continuado, tanto quanto possa ser mantido com concentração sem um único momento de indulgência.
O estudante deveria dar especial atenção à parte em itálico da citação acima. Deve também imprimir indelevelmente na sua mente que não faz nenhum sentido jejuar enquanto se precisar de comida. Livrar-se do desejo interno é o essencial e fingir a coisa verdadeira sem vivenciá-la é uma descarada hipocrisia e escravidão desnecessária.
Sem perceber o significado deste fato mais importante, qualquer um que por um momento encontra causas de discórdia com alguém da família, ou tem sua vaidade ferida por um flash sentimental momentâneo ou um desejo egoísta de utilizar o poder Divino para propósitos grosseiros, de repente corre para a contemplação e se arrebenta em pedaços na rocha que divide o conhecido do desconhecido. Envolvendo-se nas dificuldades do exoterismo, ele não sabe como estar no mundo sem ser do mundo; em outras palavras, vigiar o eu contra o eu é um axioma quase incompreensível para o profano. O Hindu deveria estar consciente disso conhecendo a vida de Janaka, que, mesmo sendo um monarca em exercício, era também denominado Rajarshi e se diz que chegou ao Nirvana. Ouvindo sobre a sua fama, uns poucos fanáticos sectários foram a sua corte para testar o seu poder ióguico. Assim que eles entraram na sala da corte, o rei tendo lido seus pensamentos – um poder que cada chela alcança num certo estágio – deu instruções secretas para seus auxiliares colocarem ao longo da cidade, em ambos os lados, dançarinas cantando as canções mais voluptuosas. Ordenou também que preparassem uns gharas (potes) cheios de água até a borda, de forma que o menor tremor faria com que o seu conteúdo espirrasse. Os sabichões, cada um com um ghara (pote) cheio na cabeça, receberam a ordem de passar por esta rua, rodeados de soldados com espadas afiadas para serem utilizadas contra eles se uma gota de água espirrasse dos potes. Os pobres sabichões, ao retornarem ao palácio depois de terem passado pelo teste, foram questionados pelo Rei-Adepto sobre o que tinham visto na rua pela qual tinham sido levados a passar. Com grande indignação eles responderam que a ameaça de serem cortados em pedaços tinha dominado de tal forma suas mentes que eles não pensaram em nada, apenas na água em suas cabeças e a intensidade da atenção não lhes permitiu perceber nada do que estava acontecendo ao seu redor. Então Janaka lhes disse que com o mesmo princípio eles poderiam facilmente entender que, mesmo estando externamente engajado em administrar os assuntos do seu Estado, ele podia, ao mesmo tempo, ser um Ocultista. Ele também, enquanto estava no mundo, não era do mundo. Em outras palavras, as suas aspirações o estavam levando continuamente para o objetivo no qual todo o seu ser interno estava concentrado. Raj Yoga não encoraja nenhum fingimento, não requer nenhuma postura física. Lida com o homem interno cujas esferas repousam no mundo do pensamento. Ter o mais elevado ideal diante de si e tentar incessantemente elevar-se até ele é a única concentração verdadeira reconhecida pela Filosofia Esotérica que lida com os noumena do homem interno, não com a casca externa dos fenômenos (phenomena).
O seu primeiro requisito é a completa pureza de coração. O estudante de Ocultismo dirá com Zoroastro, a pureza do pensamento, a pureza da palavra e a pureza da ação, são estes os requisitos essenciais daqueles que desejarem se elevar acima do nível comum e se unir aos “deuses”. O cultivo do sentimento de filantropia inegoista é o caminho a ser trilhado para este propósito. Pois somente ele levará ao Amor Universal, à realização daquilo que constitui o progresso em relação à libertação das cadeias engendradas por Maya em volta do Ego. Nenhum estudante conseguirá isso de súbito, mas, como diz o nosso Venerável Mahatma em O Mundo Oculto:
Quanto maior for o progresso em direção à libertação, menos isto acontecerá, até que, como coroamento, os sentimentos humanos e puramente individuais, laços de sangue, amizades, patriotismo e predileções raciais, tudo dará lugar ao misturar-se num único sentimento universal, o único Amor verdadeiro e sagrado, o único não egoísta e eterno, um Imenso Amor pela Humanidade como um todo.
Em suma, o indivíduo se funde no todo.
Evidentemente, a contemplação como normalmente entendida, não deixa de ter suas vantagens menores. Faz com que se desenvolva um grupo de faculdades físicas assim como a ginástica faz para os músculos. Para o propósito do mesmerismo físico é suficientemente boa; mas não pode ajudar, de forma alguma, no desenvolvimento de faculdades psicológicas, como o leitor profundo perceberá. Ao mesmo tempo, mesmo para propósitos ordinários, a prática nunca pode ser suficientemente guardada. Se, como alguns supõem, eles se tornarem inteiramente passivos e perderem-se a si mesmos no objeto diante deles, deveriam se lembrar que encorajando a passividade, eles, de fato, estão permitindo o desenvolvimento de faculdades mediúnicas neles mesmos. Como se tem dito repetidamente – o Adepto e o médium são dois extremos: enquanto um é intensamente ativo e, desta forma, capaz de controlar as forças elementais, o outro é intensamente passivo, incorrendo no risco de tornar-se uma preza para o capricho e malícia dos malignos embriões de seres humanos e os seus elementais.
É evidente, pelo que foi dito, que a verdadeira meditação consiste em “raciocinar do conhecido para o desconhecido”. O “conhecido” é o mundo fenomênico, conhecível pelos nossos cinco sentidos. E tudo que vemos neste mundo material são os efeitos, as causas que devem ser buscadas depois no noumenal (a natureza essencial verdadeira do ser – Glossário Teosófico), no imanifestado, no “mundo desconhecido”. Isto é para ser realizado através da meditação, ou seja, através da contínua atenção no assunto. O Ocultismo não depende de um método, mas emprega tanto o dedutivo quanto o indutivo. O estudante precisa aprender primeiro os seus axiomas, que foram suficientemente demonstrados no Elixir da Vida e outros escritos ocultos. O que o estudante deve fazer primeiro é compreender esses axiomas e, pelo emprego do método dedutivo, se encaminhar do universal para o particular. Ele tem então que raciocinar do “conhecido para o desconhecido” e verificar se o método indutivo de ir do particular para o universal dá suporte a estes axiomas. Este processo forma o primeiro estágio da verdadeira contemplação. O estudante precisa primeiro captar o assunto intelectualmente antes que possa ter esperanças de atingir as suas aspirações. Quando isso é atingido, então vem o próximo estágio de meditação, que é “o inexpressável anseio do homem interno para se dirigir ao infinito”. Antes que tal anseio possa ser adequadamente dirigido, em primeiro lugar a meta deve ser determinada. Os estágios mais elevados, de fato, consistem em realizar na prática o que aqueles primeiros passos nos fizeram compreender. Em suma, contemplação, no seu verdadeiro sentido, é reconhecer a verdade nas palavras de Eliphas Levi:
Acreditar sem conhecer é fraqueza; acreditar porque se sabe é poder.
O Elixir da Vida não apenas nos apresenta os passos preliminares na escada da contemplação, mas também mostra ao leitor como realizar os estágios superiores. Traça, pelo processo de contemplação anterior, a relação entre o “conhecido”, o manifestado, o fenômeno (phenomenon) em relação ao “desconhecido”, o imanifestado, o noumenon. Mostra ao estudante que ideal contemplar e como se elevar até ele. Apresenta a ele a natureza das capacidades internas no homem e como desenvolvê-las. Para o leitor superficial, pode talvez parecer o cúmulo do egoísmo. A reflexão mostrará, no entanto, ser o contrário. Pois ensina ao estudante que para compreender o noumenal, ele precisa se identificar com a Natureza. Em vez de olhar a si mesmo como um ser isolado, ele precisa aprender a olhar a si próprio como parte de uma totalidade Integral. Pois, no mundo imanifestado, pode-se claramente perceber que tudo é controlado pela “Lei de Afinidade”, a atração de um pelo outro. Lá, tudo é Amor Infinito, compreendido no seu verdadeiro sentido.
Talvez não esteja fora do lugar recapitular o que já foi dito. A primeira coisa a ser feita é estudar os axiomas do Ocultismo e trabalhar sobre eles através dos métodos dedutivo e indutivo, o que é a real contemplação. Para que isto se transforme num propósito útil, aquilo que é compreendido teoricamente precisa ser realizado na prática.
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Extraído da revista Five Years of TheosophyTradução: Isis M. B. Resende, MSTRevisão: Raul BrancoLoja Alvorada, Brasília, DF

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